Fugas - Viagens

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Em Abrantes não faça “uau”, deixe-se antes ficar, devagarinho

Por Patrícia Carvalho

Escondida no centro do país, Abrantes pode não ter monumentos de a fazer suspirar, mas deixe que a cidade centenária o surpreenda, com um centro histórico cheio de charme e miradouros e praias fluviais em redor. E há uns “malucos” a fazerem coisas engraçadas que estão a ajudar a mudar o local.

Carlos Bernardo vai e vem de Abrantes praticamente todos os meses. Diz que a sua profissão natural é ser “sonhador”, mas na prática viaja. Bastante. Em 2013 criou o blogue O Meu Escritório é Lá fora e é aí que vai mostrando e contando os locais por onde passa e as histórias com que se cruza.

Mas Carlos, 32 anos, é daqueles viajantes para quem o verbo “Ir” só faz sentido se for coordenado com o “Voltar” e este, por sua vez, só pode terminar em Abrantes. Voltar a Abrantes. “Pelo que faço, eu poderia viver em qualquer parte do mundo. Mas acabei de comprar uma casa em Abrantes, acabei de casar. Gosto de ir, mas gosto muito de voltar”, diz. E porquê? “Não é um sítio que se visite, se veja uma paisagem monumental e se faça ‘uau’. Mas é um sítio para se viver, para se sentir”, explica. É só dar algum tempo à cidade centenária e percebe-se que Carlos é bem capaz de ter razão.

Chega-se sob um calor insuportável. A temperatura ronda os 40 graus, não desce dos 27 quando já é quase meia-noite e, basicamente, deixa-nos incapacitados para dar dois passos nos sobes e desces das ruas do centro histórico. Mas Abrantes parece saber que é assim, e dá uma ajuda a quem quer percorrê-la, abrindo-se em diversas praças que Carlos Bernardo descreve como “pequenas ilhas, onde as ruas desaguam”. Elas e nós, que nos sentamos sempre que podemos, desde que haja uma sombra.

As praças, bem tratadas e com diversas obras de arte, são pausas apetecíveis, e onde também é possível observar quem passa. Se nos guiássemos apenas por números (não pode ser, eles são preciosos mas também nos enganam), poderíamos pensar que essa observação momentânea nos iria revelar sobretudo idosos, a passar por lojas antigas e sem novidade, numa cidade perdida no centro de Portugal e, sem o tal “uau” de que falava Carlos, com pouco para oferecer.

Os dados do Instituto Nacional de Estatísticas relativos ao ano de 2015 dizem que, em Abrantes, por cada 100 jovens existiam 228 idosos. E, por isso, antes de lá chegarmos, antes de entrarmos na Drogaria Nova e nos depararmos com o sorriso largo e o cabelo vermelho forte da Joana Borda d’Água, estávamos prontos para acolher uma cidade modorrenta, meio-adormecida sob o sol.

A imagem pré-concebida passa depressa. Há velhos a percorrer as ruas, é claro. A igreja de S. Vicente, monumento nacional com o interior a pedir restauro, vai-se enchendo de mulheres com alguma idade. Mas desça-se às praças e olhe-se em volta. Olhe, por exemplo, para a Gelataria Lis, que reabriu num novo local, depois de um casal com negócios ligados à farmácia e à óptica, a ter comprado aos velhos donos, que não tinham quem quisesse aprender os segredos de como fazer os gelados artesanais e estavam quase resignados a ver o negócio de uma vida fechar.

Veja A Merceneta, uma mercearia nova mas à moda antiga, que está de portas abertas no centro da cidade. Espreite a A Tasca, onde Luís Fortunato inventou uma nova vida, enquanto oferecia um novo ponto de encontro para quem quer petiscar alguma coisa ou ficar sentado à conversa. E — voltemos à Joana —, entre na Drogaria Nova, com um rosto bem diferente daquele que tinha quando o avô da jovem arquitecta a abriu, em 1943.

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