Fugas - Viagens

  • Mário Lopes Pereira
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Florir entre o vento, o sal e a areia

Por Francisca Gorjão Henriques

Uma duna é como um ser vivo, que se movimenta e transforma. A da Cresmina, no Guincho, é atravessada por um passadiço, que às vezes se desvia para dar passagem.

Estamos virados para o oceano. Mesmo em frente está a fortaleza do Guincho, à direita a serra de Sintra, à esquerda a duna a elevar-se como uma montanha. O mar está picado, cheio de carneirinhos, como é costume, sobretudo nesta altura do ano em que o vento quase não dá tréguas. Talvez não seja a época ideal para nos estendermos na praia. Mas é a melhor para a maturação de sementes das espécies que povoam as dunas, para ver algumas flores a desafiar o bom senso, ou para sentir o cheiro da planta do caril a acompanhar o passeio.

As dunas da Cresmina ocupam 66 hectares, mas o passadiço faz um percurso de apenas dois quilómetros traçados num círculo que se percorre sem esforço. A bióloga Sara Saraiva, da Cascais Ambiente, trabalha na preservação do património do Parque Natural de Sintra-Cascais e vai guiar-nos nesta visita, já “com um pé na área protegida”.

Esta é toda uma zona de ambiente agreste, onde há aves que nidificam em escarpas (como o falcão peregrino, que se alimenta de pombos das rochas), lagartixas de dedos denteados e plantas que vingam na areia. “Seria hostil, por estar na faixa costeira, mas as espécies estão altamente adaptadas a este habitat.”

A prioridade, em termos de conservação, é o próprio sistema dunar, “por ser muito dinâmico e frágil”. É como um ser vivo, que se movimenta lentamente à conta do vento forte que sopra de noroeste. É ele que traz a areia das praias do Guincho e da Cresmina e a leva depois para sul, entre Oitavos e Guia.
As dunas protegem os terrenos interiores da subida do nível do mar. Vão-se modificando à medida que se afastam da costa. Começam na duna embrionária, depois primária e por último secundária (ou cinzenta). Cada uma tem um tipo de vegetação diferente. Em frente ao mar estão “as primeiras plantas colonizadoras”, como o estorno e o feno das areias. À medida que se avança para o interior, a diversidade vai aumentando, mas sempre num ambiente de areia, ventos fortes e um ar carregado de sal.

Por toda a duna vêem-se cardos marítimos, com o seu verde seco, flores roxas e folhas bem recortadas que terminam em picos; encontram-se raízes divinas, “que existem em espécies diferentes ao longo de toda a costa, mas estão ameaçadas por algumas invasoras e pela pressão humana”. “O miosótis da praia também está ameaçado – tem o estatuto de espécie vulnerável, mas deveria ter o de espécie em perigo.”

O Verão é também a altura ideal para ver o narciso das areias em flor – igualmente chamado de lírio das praias. Sara Saraiva lembra-se que Raul Brandão escreveu sobre ele em Os Pescadores. Encontrámos a passagem: “Estes vastos areais, revestidos às vezes de cabelos de oiro que seguram as dunas, estão todo o ano a concentrar-se para em Agosto sair daquela secura e do amargo do sal, um lírio branco que os perfuma, dura algumas horas e logo desaparece.” Os areais de que fala Raúl Brandão são os do Cabedelo, na Figueira da Foz, mas a descrição assenta aos do Guincho. Os “cabelos de oiro” serão o estorno, uma espécie que se encontra habitualmente nas cristas dunares. Também a vemos aqui. “É a que prepara o terreno para as outras plantas se instalarem”, explica a bióloga.

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