Fugas - Viagens

  • Mário Lopes Pereira
  • Mário Lopes Pereira
  • Mário Lopes Pereira
  • Mário Lopes Pereira
  • Mário Lopes Pereira
  • Mário Lopes Pereira
  • Mário Lopes Pereira

Entre dunas e ria, esvoaça um mundo de pássaros

Por Mara Gonçalves

Em Alvor, o maior passadiço do Algarve parece dividir para unir. De um lado, o estuário da ria. Do outro, o cordão dunar. De um lado, o longo areal. Do outro, os os resorts. De um lado, a natureza. Do outro, os veraneantes. Mundos diferentes em comunhão, como os bandos que esvoaçam nos binóculos.

Não há como nos enganarmos. Calças e calções beges, meias a despontar dos sapatos de caminhada, binóculos ao pescoço e, no ombro, um monóculo com tripé. Marcial Felgueiras e Guillaume Réthoré destoam dos desportistas e veraneantes madrugadores com quem nos cruzamos a esta hora no passadiço de Alvor, junto a Portimão. Passa pouco das 8h de uma manhã em final de Julho, começa a fervilhar o pico da época balnear algarvia.

O passadiço em madeira de Alvor ganhou o epíteto de maior da região no ano passado, ao chegar à linha de meta que as falésias recortadas da praia dos Três Irmãos impõem à língua de areia que se desenrola, branda, desde o molhe nascente da ria. Há seis anos, no entanto, que A Rocha Life — ramo turístico da organização ambiental que nasceu em Alvor há 34 anos e que entretanto se espalhou pelo mundo — realiza aqui um dos seus passeios para observação de aves (quatro horas, 3km, 40€). 

São dessa altura os primeiros troços de madeira que serpenteiam entre as dunas e o sapal, integrados no percurso “Ao sabor da maré”, já em plena área classificada da Rede Natura 2000. A associação colaborou na homologação do trilho pedestre, mas desta vez não o percorreremos na totalidade. Saltitamos, antes, entre o “estradão” de terra batida e parte dos passadiços que unem as margens salobra e salgada, no encalço das aves que habitam a ria e aquelas que vêm nidificar nesta altura do ano. Como é o caso dos borrelhos-de-coleira-interrompida. “Estão cá e já devem ter crias. Vamos ver se os encontramos”, desafia Marcial Felgueiras, director de operações da empresa.

 Nos últimos anos, a equipa tem monitorizado a população nidificante de borrelhos nas dunas de Alvor, em declínio a nível mundial. Chegaram a contabilizar-se 30 casais. “Agora nem perto.” Este ano, no entanto, o projecto está suspenso por falta de verbas e não sabem ao certo quantas aves escondem crias entre os tufos de gramíneas. Os pequenos limícolas de bico negro constroem os ninhos sobre a areia “na extremidade das dunas”, lá à boca da ria, longe dos apoios de praia e dos estacionamentos, onde existem níveis mais baixos de perturbação humana. É para lá que segue o passeio, de olhos entre o céu e a vegetação.

Pouco caminhamos até à primeira paragem. Um bando de pintassilgos e alguns pintarroxos (distinguem-se pelas manchas avermelhadas no peito e na testa) estão empoleirados em fios dourados de estorno, a planta mais abundante nas dunas de Alvor. Guillaume ajusta o monóculo e, por momentos, temos a ilusão de quase tocarmos no rasgo amarelo das asas, na cauda negra pintalgada de branco. “Gostam muito de estar por aqui porque se alimentam das sementes das gramíneas”, descreve Marcial. Guillaume é o guia, mas é o director quem vai tomando a palavra. A Gui, para facilitar, interessam sobretudo as conversas que se desenham no céu e dele mal tira os binóculos, com a paciência infinita de quem sabe que esta não é a melhor altura para a observação de aves. “Tal como os humanos, preferem resguardar-se nas sombras quando está muito calor”, retoma Marcial. Há seis anos que o biólogo francês se mudou para o Algarve, depois de ter trabalhado pela primeira vez n’A Rocha, em 2007, ao abrigo do Serviço Voluntário Europeu. “De Outubro a Março é bonito e, no Inverno, muito especial”, resume num sorriso tímido.

--%>