Fugas - Viagens

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O lado B de Bucareste está a viver a sua Primavera

Por Andreia Marques Pereira

Chegámos com uma carta de intenções clara: ver uma “outra” Bucareste. Descobrimo-la numa onda de criatividade que parece estar a preparar-se para sair do casulo. A capital romena está à procura de um estilo próprio e de geração espontânea.
O mote da viagem era algo como “Bucareste invisível” e, ainda que nos tenhamos desviado da temática, logo à chegada o jantar surpreende-nos. Numa zona que já foi industrial, perto do centro da cidade, num edifício insuspeito de qualquer beleza arquitectónica (antiga fábrica de algodão), subimos ao rooftop e estamos num bar-restaurante a flutuar na cidade. É o espaço de Verão; em baixo fica o espaço de Inverno, o passado industrial à flor da pele, minimalista na decoração feita de design de inspiração escandinava. Este está vazio, o terraço está cheio. 
 
Está calor, muito calor em Bucareste no início deste segundo fim-de-semana de Julho. No topo do Deschis Gastrobar (também espaço cultural) “a vista não é a melhor”, como que se desculpa Andrada Crangus, a representante do Ministério do Turismo romeno. Ao lado corre o rio Bambovita, aqui mais como um canal quase tapado pelas árvores que se alinham na avenida; ao fundo vemos edifícios cujas luzes se acenderão daqui a pouco, o arco azul de uma pequena ponte, mais atrás chaminés de fábricas. Não importa, estamos sobre um deck de madeira, com música electrónica que não se impõe, diante de uma mesa comprida que se há-de cobrir de uma mescla de cozinhas ao estilo de tapas: vêm quesadillas, rolos chineses, paté de fígado, asas de frango, pão, patés, vinho branco e cervejas nacionais. Não, não esperávamos esta recepção em Bucareste, num local, o NOD Makerspace, que junta mil metros quadrados de espaços criativos para uma comunidade open source.
 
Bucareste raramente será uma opção óbvia na lista de destinos a não perder. Se calhar porque a reputação da capital da Roménia ainda não escapou completamente da (longa) sombra que se abatia sobre as cidades da Europa do Leste: cinzentas e severas, cheias de prédios anódinos e deteriorados ou de edifícios mais maciços do que harmoniosos. Estes não faltam – e em relação a edifícios indistintos há até uma zona da cidade a que chamam a “muralha da China”, tal a sucessão de prédios de habitação – mas há outros mais. Porque Bucareste, além de comunista (a que todos os habitantes de Bucareste parecem amar-odiar, sobretudo o massivo Parlamento, a “Casa do Povo” como é conhecido, e a Casa da Imprensa), é neoclássica, beaux-arts, arte nova e bauhaus. Há ainda a velha Bucareste, o centro histórico, que sobreviveu a todas as convulsões políticas e sociais e foi restaurado (continua a sê-lo) e onde se encontram vestígios medievais.
 
Pode ser por chegarmos em pleno Verão, com Bucareste a esvaziar-se para o fim-de-semana e o início de férias escolares (o trânsito e o barulho das buzinas costumam tornar a cidade caótica, dizem-nos) e as esplanadas estarem cheias, mas rapidamente Bucareste se nos entranhou, nunca foi uma estranha. Com o sol, parece refulgir em tons de dourado, o verde parece teimar em imiscuir-se, seja em longas manchas, seja nas árvores que povoam algumas das suas avenidas. Dizer que esta é uma cidade de contraste é uma banalidade que pode ser aplicada a tantas cidades do mundo. Contudo, como não dizê-lo se em poucas centenas de metros passamos por um palácio real neoclássico, avançamos para a antiga sede do partido comunista, puro classicismo soviético, diante da qual se encontra uma pequena igreja de estilo bizantino, andamos um pouco mais para encontrar um prédio que é uma espécie de Gaudí inacabado até chegar a mais um edifício de feições industriais onde se anuncia a realização de castings? 
 
Não são apenas castings o que se faz neste que Anca Ungureanu considera ser “o edifício mais criativo de Bucareste”. Estamos no primeiro andar do Palácio Universul, edifício B – o complexo é património nacional e albergou um jornal, primeiro, uma editora depois, encerrada na ressaca da revolução de 1989 que depôs Nicolae Ceausescu e acabou com o seu regime totalitário. Estamos no edifício da tipografia que teve de esperar mais de duas décadas para ser redescoberto e agora faz parte do The Garden Talent. O Beans & Dots, projecto de Anca e da designer Adelina Ivan, é uma multiplicação de vocações. Café, espaço de co-working, sala de eventos e concept store, onde nos sentamos num sofá retro amarelado. Está para venda, como tudo o resto. 
 
Anca, que trabalhou em marketing e comunicação antes de estudar liderança criativa em Berlim, “resumidamente, um curso para tornar as pessoas criativas em gestores e os gestores em pessoas criativas”, acredita que explicar o surgimento de novos negócios ajuda a explicar uma nova Bucareste. E neste edifício está o paradigma dessa nova Bucareste, onde a criatividade começa a ganhar cada vez mais espaço. No rés-do-chão há um teatro independente com bar e clube, um bar botânico, centro de arte contemporânea, um estúdio de dança. Nos andares superiores, há ateliers de arquitectos e engenheiros, agências de publicidade, estúdio de som, consultoras.
 
Situado nas redondezas dos Jardins Cismigiu, o Palácio Universul está também no coração do recém-criado Distrito Criativo (Cartierul Creativ), lançado pelo The Institute, organizador da Semana de Design de Bucareste. A intenção é mapear toda a zona entre os jardins, a Avenida Regina Elisabeta e a Praça Matache, onde nos anos mais recentes têm surgido estúdios, ateliers, bares, cafés, lojas de designers, substituindo o antigo comércio. “Há cinco anos não havia nada aqui”, nota Anca. Ela própria só se instalou no início de 2017 e durante os próximos cinco anos a ideia é atrair ainda mais criadores e assim diversificar a oferta e chamar mais público. E ajudar a recuperar a área, onde há tantos edifícios à espera de serem salvos da ruína ou de uma renovação – uma imagem que se repete pela cidade.
 
Foi ao virar da esquina do Palácio Universul que encontrou casa a Mesteshukar ButiQ (MBQ). Esta não é apenas uma loja, é a parte visível de “uma rede de empresas de economia social”, sublinha Dennis, que, desde 2012, “ajuda os roma a desenvolver os seus ofícios e a fazer renascer produtos e objectos de outros tempos”. Porque “na Europa de Leste e nos Balcãs [e Bucareste é uma ponte] a cultura identitária dos roma está ligada a ofícios”, explica Dennis. E é assim que, em pleno Distrito Criativo, entramos num mundo roma onde a rusticidade tem um cunho contemporâneo em cenário minimalista. Entre objectos quotidianos (que vão resultar numa colecção para o IKEA), há roupas, peças de joalharia e carteiras em materiais como o couro, o bronze e o latão – a próxima loja abrirá em Viena.
 
Definitivamente, Bucareste parece querer recuperar o tempo perdido e está a vestir-se de locais que rivalizam facilmente com qualquer outra capital europeia. Não nos cansamos de espreitar cafés e bares onde gostaríamos de nos sentar um pouco – mas menos de dois dias não dá para tudo. É assim que o Alt-Shift é apenas uma entrada rápida num portal que segue em gradeamento ainda no bairro criativo, escondendo um jardim vertical no pátio e um clube e bar no interior. O The Urbanist é uma escapada nossa, já no centro histórico: o exterior cool com poucas mesas confirma-se no interior. E a lista de locais que nenhum hipster desdenharia poderia continuar.
 
Desilusão é a “rua da street art”, a Pictor Vitor Verona. Aqui realiza-se todos anos um festival internacional de street art e todos os anos a decoração é, portanto, diferente – parece que temos azar no ano. Durante o festival cortada ao trânsito, há DJ, food trucks e animação constante; num dia comum é uma rua indistinta a que os graffiti dão cor – e nada mais. Isto até quase ao seu término. Já estamos com o Boulevard Gheorghe Magheru à vista quando entramos por um portão. O que foi a mansão de uma família aristocrática é agora, simplisticamente, uma livraria. A Carturesti Verona invade todas divisões num labirinto de tectos estucados e frescos nas paredes. Sobem-se e descem-se escadarias e escadas em caracol, passamos por livros em segunda mão e novidades frescas, uma adega com vinhos romenos pouco óbvios, música e cinema, merchandising variado, design romeno, uma zona infantil, objectos de decoração e de casa, acessórios... As reticências não são preguiça, é a impossibilidade de abarcar tudo o que se encontra na casa que ainda tem um “segredo”: um jardim com esplanada.
 
Continuamos afastados do bairro criativo quando entramos na loja-atelier de Carmen Secareanu que, em 2002, decidiu criar a sua própria marca em Bucareste, três anos depois de se ter licenciado, numa altura em que os estilistas romenos tinham como destino o estrangeiro. Ainda é assim. “Os novos designers vão para fora ou apostam no online”, diz-nos. Ela foi uma espécie de pioneira, mostrou o seu trabalho nas principais passarelas mundiais e foi distinguida pela imprensa especializada internacional – e aventurou-se pelo design de objectos. Há três anos instalou-se neste espaço, “numa zona calma”, onde uma máquina de costura recebe quem chega. Da colecção de Verão restam poucas peças, sobressaem os vestidos de seda brancos com bolas vermelhas. “Não é a minha linha habitual”, assume. As cores escuras, com forte predominância de negro, em tecidos que vão da seda ao couro, para a nova temporada estão mais próximos da sua imagem. “De certa forma inventei um estilo próprio”, reflecte.
 
De certa forma, é o que se está a passar com Bucareste, uma cidade à procura de um estilo próprio. E de geração espontânea, não sujeita aos devaneios megalómanos de um qualquer ditador. Porque se, como considera Anca Ungureanu, continua “tudo muito imprevisível em termos políticos”, a verdade é que “a cidade é muito vivida e está sempre em mudança”.
 
 
 
Manta de retalhos arquitectónica para uma história convulsa 
 
Em Bucareste sê bucarestino. É assim que começamos o nosso primeiro dia (inteiro) na capital romena – no mercado. E às compras mesmo. O plano é um almoço-piquenique no Parque Carol I (da Liberdade, durante o período comunista), mas antes é tempo de escolher o menu no Mercado Obor, na praça e bairro homónimos. Se agora encontramos um gigantesco edifício de tijolo vermelho não imaginamos que este é herdeiro de uma tradição com mais de 300 anos: aqui realizava-se o “Târgul Mo?ilor”, uma feira de gado importante em toda a Valáquia (um principado que seria um dos embriões da moderna Roménia), e também enforcamentos. Mas o edifício, novo, onde nos detemos é apenas uma da parte do mercado, a dos frescos – outro, antigo, alberga a parte do “bazar”; entre um e outro, tendas, incluindo bancas das famosas mici, salsichas romenas.
 
Cesto de vime no braço para as compras no maior mercado de Bucareste, onde lavradores das redondezas vêm escoar produtos sete dias por semana. Não é incomum ver mulheres com os lenços na cabeça por detrás das bancas, parecendo desconfiadas. Não é assim Irina, a quem compramos tomates (3,5 lei o quilo, cerca de 0,70€), que, traduz o filho, nos pergunta se temos “disto”, a mão desenha um semicírculo no ar, de onde vimos. Os tomates, pepinos, cebolas verdes e pêssegos da nossa lista arrumam-se no rés-do-chão; o queijo de cabra e o pão no andar de cima, como bancas como supermercado – quase sempre há amostras para prova, quando não há é só pedir. Ficamos de olho nos frutos vermelhos, enormes e baratos (como tudo aqui em Bucareste – pelos nossos padrões: a confiar no guia, o salário mínimo na Roménia é 200€); um quilo de mirtilos (2€) há-de aparecer no almoço.
 
Mas até ele, temos muito caminho para andar. Alexandru é o nosso guia pela história de Bucareste. Uma história não muito longa para uma cidade europeia (foi mencionada pela primeira vez em 1459) e muito menos como capital de um país (desde 1862, quando foi instituído o principado da Roménia; o reino chegaria em 1881 depois da Guerra Russa-Turco ter ditado a independência do Império Otomano). E foi a partir de Carol I, o primeiro e mais celebrado rei da curta monarquia romena, que Bucareste se começou a afirmar como cidade cosmopolita, onde a cultura e a arquitectura se modelaram a partir de Paris. Tanto assim que muitos dos edifícios que vemos são da autoria de arquitectos franceses e a Rua Vitória era considerada os Campos Elíseos bucarestinos – a cultura francesa marcou tanto o país que o “obrigado” mais comum é merci.
 
É aqui que encontramos alguns exemplares de arquitectura francesa, desde logo a sede do Banco CEC, o mais antigo do país. Está em obras de restauro, mas sobressai a sua cúpula central em vidro e ferro a encimar uma construção ecléctica. Do outro lado da rua o Museu Nacional da História Romena, grandes colunas a compor um alpendre largo no topo de escadaria larga, num edifício que já foi o Palácio dos Serviços Postais. Outro exemplo de arquitectura francesa é o Ateneu Romeno, casa da Filarmónica George Enescu e do festival que tem o seu nome. De planta circular e estilo neoclássico, a fachada é uma colunata impressionante e no seu interior frescos contam a história da Roménia – de que este fez parte, com a assinatura do tratado de unificação de várias regiões que deram origem ao país actual no rescaldo da I Guerra Mundial. 
 
Estamos, então, na “pequena Paris”, não nos cansamos de ouvir (onde não falta um arco do triunfo, construído em 1922 para celebrar a “grande Roménia” unificada e remodelado em 1938), que mistura estilos arquitectónicos com a mesma facilidade com que, aparentemente, Ceausescu destruiu partes inteiras da cidade para impor o seu modelo inspirado na Coreia do Norte. Ao mesmo tempo, a “nova” Bucareste preservou o seu passado, nem que para isso tivesse tido que transplantar edifícios, muitos religiosos – por isso, encontramos pequenas igrejas ortodoxas nos locais mais inesperados, entalados entre prédios. Ou, por exemplo, bem perto da zona de bares no centro histórico de Bucareste, onde o Mosteiro Stavropoleos tem novamente freiras: a igreja, numa esquina de rua pedonal, é uma pequena pérola bizantina. E como que a mostrar a tolerância do regime com a religião, a igreja Kretzulescu manteve-se no seu local original – perto do antigo palácio real, mas também da sede do partido comunista romeno.
 
E, entretanto, já passamos então pelo palácio real que actualmente é o Museu de Arte Nacional. Feições neoclássicas, tem do lado oposto da praça a biblioteca da universidade, construída por Carol I, cuja estátua equestre se ergue entre ambos. Desde 1989, esta é agora chamada a Praça da Revolução, e foi um dos palcos mais importantes (e sangrentos) da revolta que depôs Ceausescu e terminou com a sua execução no dia de Natal do mesmo ano. Mais adiante, a antiga sede do comité central do partido comunista, em estilo clássico soviético, tem agora a companhia do Memorial do Renascimento, monumento às vítimas da revolução de 1989. Uma coluna de mármore com algo que parece uma coroa de metal no topo e tanta controvérsia quanto à sua estética que até tinta vermelha lhe lançaram: sobram manchas no cimo que dão ideia de sangue.
 
De sangue se fez a história de Vlad III, Drácula, que teve passagem por Bucareste. Os restos da “antiga corte”, na prática residência dos líderes da Valáquia por ele mandada construir, foram escavados nos anos de 1950 e estão bem no coração do centro histórico, onde (quase) todos os caminhos noctívagos vão dar (para noites vibrantes e sofisticadas, onde música ao vivo convive com a comercial debitada por colunas). Estamos a poucos metros da Praça da União, uma das mais movimentadas da cidade, uma espécie de hub de transportes e comércio onde a Inditex parece ter o monopólio. Ao seu lado passa o monumental Boulevard União que parte do Palácio do Parlamento (e passa a Boulevard Decebal, a zona mais cara da cidade): flanqueado por árvores e edifícios no mesmo estilo do parlamento, o boulevard é dividido por uma faixa ajardinada ornamentada por 42 fontes representando os 41 distritos do país mais a capital.
 
São obras emblemáticas de Ceausescu, paradigmas da sua megalomania. O Parlamento é o segundo maior edifício administrativo do mundo (a seguir ao Pentágono), só superado pelo Pentágono, e é um local de que poucos bucarestinos gostam, sobretudo pelo que representa. Passamos lá por insistência, não fazia parte do roteiro: ao final do dia, há umas poucas pessoas a fotografá-lo e dois rapazes sentam-se em cadeiras de lona, junto do carro, na frontal Praça da Constituição.
 
Voltamos a passar à noite, já depois de termos tido um workshop de cozinha na Beraria H, fama de ser a maior beer house da Europa (ocupa um antigo pavilhão de exibições que, já depois da queda do comunismo, foi armazém de roupa) – no Verão, transfere-se para o exterior, cheio. Fica no Parque Herastrau que, junto ao lago do mesmo nome, é o maior da cidade, “talvez da Europa de Leste”. O chef Radu Zanesku orienta os participantes na confecção de vários “patés”; as carnes, de porco e de vaca e as as mici, “indispensáveis num churrasco romeno”, serão assadas numa churrasqueira ao ar livre por um ex-jornalista desportivo; tudo será acompanhado por puré. Mas antes começa-se com um shot de palinca, bebida tradicional destilada com frutas – e sexista: há uma para homens e outra para mulheres.
 
É uma mulher, Gina, que nos leva de volta ao hotel. Fala espanhol porque viveu seis anos em Alicante, regressou há oito por causa de uma doença da neta. Faz um desvio para vermos o parlamento à noite, mas o que vale a pena é o boulevard. Não percebe porque tantos compatriotas não gostam de aqui passar, “são infantis”, considera. Mostra-nos a nova catedral em construção e aponta-nos a antiga biblioteca nacional, edifício colossal também abandonado depois da revolução. “É uma vergonha, tanto dinheiro desperdiçado.” Ela parece enfrentar o passado (e o futuro) de frente, sem medo de fantasmas. Bucareste ainda está a exorcizá-los. 
 
 
De bicicleta entre mansões, tanoeiros e provas de vinho
 
Sabíamos que íamos andar de bicicleta e visitar uma adega. A surpresa foi o ponto de partida, uma antiga casa de boiardos, a aristocracia desta zona da Europa. A viagem de Bucareste até Conacul Bellu (em Urlati, no distrito de Prahova) leva cerca de uma hora, passando por campos, aldeias e pontes periclitantes.
 
Conacul Bellu, algo como mansão Bellu, surge entre arvoredo denso já sem memória da casa principal, que um terramoto na década de 1940 danificou irreparavelmente – a mansão actual era apenas a casa de hóspedes. Térrea, de telhados empinados escuros, alpendre na fachada e varandas abundantes com colunas de madeira escura (a condizer com balaustradas), que terminam em arcos decorados (brancos como a casa), é o protótipo da arquitectura romena do século XIX. Com toque lusitano: o pátio exterior foi inspirado na calçada portuguesa – o barão Alexandru foi um grande viajante e tinha na arte, especialmente na recém-surgida fotografia, a sua paixão.
 
E tal reflecte-se na casa. A visita tem de ser feita com protecção no calçado, pois o soalho é original. E é aí que encontramos a sala turca e a sala japonesa, exemplos da curiosidade do proprietário pelo estrangeiro. Esta era uma casa de Verão de uma família que tinha casas, por exemplo, em Florença e Paris. A cultura está por todo lado, não só na pintura, romena, sobretudo, nas gravuras e litografias (algumas com vários séculos), mas na biblioteca, onde abundam os livros em francês e de fotografia e sobressai uma edição do século XVI da Bíblia de Lutero. As novas tecnologias não passaram despercebidas e no fonógrafo (que não dispensou, contudo, o piano) escutamos um disco com cem anos; o telefone, de 1895, é apenas relíquia. O mobiliário tem soluções que diríamos avant-garde para a época, como cadeiras de madeira que se dobram ou se transformam em oratórios, não faltam tapeçarias orientais e porcelanas de vários cantos do mundo. Na cave, com acesso exterior, uma adega onde já há muitas décadas não entra vinho mas mantém o cheiro adocicado do que se entranhou indelevelmente; mantém também utensílios antigos. Ao contrário de outras casas idênticas que depois da implantação do comunismo se deixaram arruinar, esta foi transformada em museu em 1954, mas já antes tinha sido doada à Academia Romena.
 
É desta propriedade que partimos de bicicleta em direcção à adega Crama Urlateanu. Por companhia temos um australiano, 60 e poucos anos, que anda há três meses a percorrer a Europa de Leste de bicicleta – chegou da Bielorrússia. Primeiro, fazemos uma paragem na oficina de um dos poucos tanoeiros que, na Roménia como em Portugal, ainda resistem no ofício, na pequena aldeia de Ceptura de Jos. Confissão: não aguentamos o passeio de bicicleta – ao todo foram cerca de 15 km –, debaixo do sol inclemente do meio-dia, por estradas alcatroadas. Na paisagem, plana, a espaços vêem-se vinhedos, campos de girassóis e nada mais de notável. Passa uma carroça com uma família de quatro em despique primeiro com as bicicletas, depois com a carrinha. Mas, então, a oficina de Adrian, homem tisnado de meia-idade bem pesada, debaixo de um telheiro tosco e a explicação de como se fazem os barris. “É duro”, confessa, “por isso os jovens vêm dois, três dias e desistem”. Ainda que uma barrica de 200 litros, que leva um dia e meio a fazer, valha 250 euros, mais coisa menos coisa. “Daqui a pouco tempo é uma memória.” De qualquer forma, Adrian também se dedica à agricultura, como os vizinhos. Tem vinhas e produz um vinho caseiro que nos dá a provar, jovem, ainda um pouco borbulhante.
 
Depois da prova improvisada, a prova a sério. Estamos novamente numa casa nobre, alpendre a quase toda a volta, montra de um domínio vinícola onde se produz vinho tinto, “estamos no mesmo paralelo de Bordeaux”, esclarece a guia. Mas não é apenas este que se pode provar na adega, numa cave profunda debaixo da própria casa. A escadaria branca desemboca num espaço não muito grande, com algumas barricas: “Esta área é só de apresentação, a produção está a 30km. Aqui não temos condições para o envelhecimento.” Há também vinhos brancos e rosé vindos de outras zonas da Roménia (o branco da Transilvânia) onde a companhia tem vinhedos. Temos um workshop de prova e, de regresso à superfície, uma prova de vinhos na loja da propriedade. Segue-se um almoço-volante no alpendre da casa. Demorado. Afinal, é domingo no mundo e a tranquilidade é contagiante.
 
A Fugas viajou a convite do Ministério de Turismo da Roménia com o apoio da Embaixada da Roménia em Portugal, do Instituto Cultural Romeno de Lisboa e da TAP.
 
Guia 
 
Como ir

A TAP retomou a ligação directa entre Lisboa e Bucareste, com voos todos os dias menos à terça-feira. Para voos no início de Setembro, a simulação devolveu-nos preços a partir de 550€ (curiosamente em executiva – mais baratos do que em económica).
 
Onde comer
 
Deschis Gastrobar
Splaiul Unirii 160 
040041 Bucareste
 
La Copac
Str. Pitar Mos 23 
030167 Bucareste
 
Beraria H
Soseaua Pavel Dimitrievici Kiseleff 32 
011343 Bucareste
 
Onde dormir
 
Hotel Venezia
Str. Pompiliu Eliade 2 
Bucareste
 
O que visitar
 
Beans&Dots
Str. Ion Brezoianu 23 
030167 Bucareste
 
Talent Garden Bucharest
Bucareste, Sector 1, 
Str. Ion Brezoianu, Nr. 23-25
 
Mesteshukar ButiQ
Str. Edgar Quinet 7 
030167 Bucareste
 
Carmen Secareanu Showroom
Str. Semicercului 1
Bucareste, sector 1
 
Crama Urlateanu
Str. Maruntisului, 2 
Urlati | Prahova
 
Conacul Bellu
Str. Castanilor 
Urlati | Prahova
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