Fugas - Viagens

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O viajante que aprendeu a "deixar ir"

Por Renata Monteiro

João Sacramento é um dos organizadores do Hitchfest, que até 6 de Agosto reúne no Marco de Canaveses viajantes e nómadas que lá chegam à boleia.

Esta entrevista não teve hora marcada. “Não temos de combinar, eu vou estar por aqui, por isso apareçam quando quiserem”, disse ao telefone João Sacramento, que nas últimas semanas tem estado a organizar o Hitchfest, o primeiro festival da boleia português.

Com 29 anos, tem visto tudo o que antes dava como certo vir abaixo. Muitas destas coisas, foi ele quem as implodiu, com muitas horas passadas a pensar, a meditar e a viajar. “E quanto mais coisas vieram abaixo, muito melhor elas vieram para cima”, conta agora. 

João Sacramento nasceu em Coimbra, viveu os primeiros dez anos em Aveiro até que voltou para Miranda do Corvo, onde vive a sua “base”, os avós e os tios. Licenciou-se na cidade onde nasceu, em Design Industrial e Design de Equipamento, num curso em que só se inscreveu “porque achava que ter um curso superior era essencial”. “Aquelas coisas que te metem na cabeça”, diz com um encolher de ombros (vai repetir esta frase muitas vezes).
Já enquanto estudava saía durante uma semana nas férias de Verão e, sem dar conta, só voltava dali a três meses. “Chegávamos a uma praia, ficávamos uma semana, depois começava um festival qualquer, íamos para o festival, andávamos assim três meses.” Vai para dizer que “foi assim que começou esta coisa do nómada”, mas interrompe-se e murmura: “No verdadeiro conceito dos nómadas, eu não devo ser um nómada. Nem me considero.”

Quando Miranda do Corvo começou a ficar pequena, Coimbra também o ficou pouco tempo depois, e decidiu partir para Lisboa para procurar trabalho. “Eu queria o que quer que aparecesse.” E apareceu um call center (João não deixa de soltar uma gargalhada face ao quão ironicamente normal este cenário é). 
Depois criou uma empresa de mediação de obras onde ganhou “estaleca” que usou para montar um hostel no terceiro piso de uma casa onde vivia com a BIOTribe, uma comunidade em Lisboa. Desta vez, fez o projecto sozinho com “meia dúzia de tábuas e panos”, e investiu “cento e pouco euros”. Mas, mais uma vez, e apesar de o hostel estar a “dar muito dinheiro”, acabou por se ir embora. Aos 25 anos, também Lisboa tinha ficado demasiado pequena e decidiu partir para um ano de voluntariado na Roménia. Acabou por ficar só seis meses.

No final do programa, tinha o bilhete de avião marcado e rejeitou-o. Eram 150 euros que não podia receber de volta, mas decidiu gastar o mesmo valor e voltar a Portugal “sem pagar transporte ou habitação”. Estabeleceu contactos com algumas das pessoas que conhecia para arranjar sítios onde dormir, arranjou alguns e, os outros, “era o que viesse”. Como “não estava com pressa”, acabou por demorar um mês e meio a chegar até Portugal, sempre à boleia.

Quando viaja, João faz poucos planos. “Não me interessa muito como a coisa acontece, interessa-me muito mais o que é que eu quero agora. Então, digamos, eu quero agora ir para a Roménia. Tanto me faz como é que eu vou.” Mais recentemente esteve em Itália, num Vipassana (um retiro) com a namorada e lá viajavam à boleia. Já para vir montar a Festa da Boleia, no Marco de Canaveses, tinha pouco tempo, e por isso escolheu o avião. João diz que a boleia é o mote, mas que no Hitchfest o que importa é “falar de desenvolvimento pessoal através da viagem”.

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