Fugas - Viagens

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Da inutilidade da megalomania

Por Alexandra Prado Coelho

É um dos projectos mais megalómanos da história do cinema (e não só). O realizador alemão Werner Herzog quis filmar na Amazónia a aventura épica de um produtor de borracha que decidiu fazer um navio a vapor passar de um rio para outro, através de uma colina e criar uma ópera na selva.

A Conquista do Inútil, agora editado em Portugal na colecção de viagens da Tinta-da-China, coordenada por Carlos Vaz Marques, é o caderno de campo escrito por Herzog durante os anos passados na selva a filmar Fitzcarraldo (1982), numa espécie de delírio sempre à beira do fracasso.

Havia, certamente, soluções para filmar em estúdio a aventura de Brian Sweeney “Fitzcarraldo”, personagem criada a partir da figura real do barão da borracha peruano Carlos Fitzcarrald. Mas Herzog achou que só a realidade estaria à altura do filme que tinha na cabeça.

O realizador “inspirou-se nessa figura histórica para expor quer o delírio da selva quer o absurdo do desejo de controlo da natureza, ficcionando também o sonho de se levar não a civilização mas a ópera ao coração das trevas, inspirando-se, para o efeito, na Ópera de Manaus”, resume no prefácio Manuela Ribeiro Sanches, de quem partiu a proposta de se traduzir o livro para português.

Durante a rodagem aconteceu quase tudo o que era possível acontecer. O actor principal inicialmente escolhido, Jason Robards, adoeceu com desinteria e teve ordem dos médicos para não voltar à Amazónia. Depois dele saiu outra peça fundamental, Mick Jagger, que, devido ao atraso nas filmagens, teve que as abandonar para se juntar a uma tournée dos Rolling Stones.

Entrou então em cena, para o papel de Fiztcarraldo, o explosivo Klaus Kinski, acrescentando mais uma dimensão de delírio ao projecto. A tal ponto que os indígenas que trabalhavam com Herzog chegaram a perguntar ao realizador se queria que eles matassem o actor.

Mas Herzog enfrentou também problemas com os indígenas, que foi acusado de querer exterminar, e que tinham os seus próprios conflitos com o Peru e o Equador.

Apesar de tudo, o cineasta levou o projecto até ao fim, fazendo com que o navio de 320 toneladas passasse a colina e filmando-o inclusivamente a ser destruído durante uma travessia de rápidos.

Os cadernos de campo trazem-nos os pensamentos de Herzog na “luxúria de uma selva quase sempre obscena”. A Conquista do Inútil, escreve ainda Manuela Ribeiro Sanches, descreve “o modo como um sonho de conquista se transforma numa inutilidade a que apenas a escrita consegue dar sentido”. Uma escrita que “não se compadece com uma simples retórica do sublime, atenta que permanece aos pequenos nadas do quotidiano”.

Dos cadernos (de letra microscópica e por isso durante anos indecifráveis mesmo para o autor), o próprio Herzog diz: “Estes textos não constituem relatos dos trabalhos de rodagem — que quase não são mencionados —, nem diários no sentido mais lato da palavra: são algo diferente, antes paisagens interiores nascidas do delírio da selva. Mas nem mesmo disto tenho a certeza.”

A Conquista do Inútil
Werner Herzog
Ed. Tinta-da-China
Pag. 350
Preço: 19,90€

 

O mundo e os livros

Viagens, encontros, livros, leitores. Uma fotografia de cada vez, que se torna o pretexto para uma conversa, uma história, um pequeno texto. É assim Uma Volta ao Mundo Com Leitores, o livro de Sandra Barão Nobre (nascida em 1972), autora do site Acordo Fotográfico, onde “homenageia o acto de ler”.

O projecto, explica Sandra no prelúdio, começou depois de ter estado doente. “Passar seis meses a lutar contra um cancro, em isolamento, num pequeno quarto a que pouquíssima gente tinha acesso, pôs toda a minha vida em perspectiva.” Foi por ter percebido que a vida lhe podia fugir, que decidiu não continuar a adiar uma das coisas de que mais gostava: viajar.

Em 2013, já com o projecto do Acordo Fotográfico a ganhar reconhecimento, decidiu pôr em prática um plano um pouco louco: “pôr uma mochila às costas e partir pelo mundo para fotografar leitores”. Durante seis meses foi isso que fez. Começou com os países de língua oficial portuguesa e alargou depois a outros. No total, até Agosto de 2014 visitou 14 países, acompanhada por uma amiga. Por todo o lado encontrou alguém a ler. Em livrarias, em bibliotecas, em jardins, em aeroportos. Os livros foram o início de uma conversa.

Uma Volta ao Mundo Com Leitores
Sandra Barão Nobre
Relógio d’Água (colecção Viagens)
Pág. 354
Preço: 17€

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