A Conquista do Inútil, agora editado em Portugal na colecção de viagens da Tinta-da-China, coordenada por Carlos Vaz Marques, é o caderno de campo escrito por Herzog durante os anos passados na selva a filmar Fitzcarraldo (1982), numa espécie de delírio sempre à beira do fracasso.
Havia, certamente, soluções para filmar em estúdio a aventura de Brian Sweeney “Fitzcarraldo”, personagem criada a partir da figura real do barão da borracha peruano Carlos Fitzcarrald. Mas Herzog achou que só a realidade estaria à altura do filme que tinha na cabeça.
O realizador “inspirou-se nessa figura histórica para expor quer o delírio da selva quer o absurdo do desejo de controlo da natureza, ficcionando também o sonho de se levar não a civilização mas a ópera ao coração das trevas, inspirando-se, para o efeito, na Ópera de Manaus”, resume no prefácio Manuela Ribeiro Sanches, de quem partiu a proposta de se traduzir o livro para português.
Durante a rodagem aconteceu quase tudo o que era possível acontecer. O actor principal inicialmente escolhido, Jason Robards, adoeceu com desinteria e teve ordem dos médicos para não voltar à Amazónia. Depois dele saiu outra peça fundamental, Mick Jagger, que, devido ao atraso nas filmagens, teve que as abandonar para se juntar a uma tournée dos Rolling Stones.
Entrou então em cena, para o papel de Fiztcarraldo, o explosivo Klaus Kinski, acrescentando mais uma dimensão de delírio ao projecto. A tal ponto que os indígenas que trabalhavam com Herzog chegaram a perguntar ao realizador se queria que eles matassem o actor.
Mas Herzog enfrentou também problemas com os indígenas, que foi acusado de querer exterminar, e que tinham os seus próprios conflitos com o Peru e o Equador.
Apesar de tudo, o cineasta levou o projecto até ao fim, fazendo com que o navio de 320 toneladas passasse a colina e filmando-o inclusivamente a ser destruído durante uma travessia de rápidos.
Os cadernos de campo trazem-nos os pensamentos de Herzog na “luxúria de uma selva quase sempre obscena”. A Conquista do Inútil, escreve ainda Manuela Ribeiro Sanches, descreve “o modo como um sonho de conquista se transforma numa inutilidade a que apenas a escrita consegue dar sentido”. Uma escrita que “não se compadece com uma simples retórica do sublime, atenta que permanece aos pequenos nadas do quotidiano”.
Dos cadernos (de letra microscópica e por isso durante anos indecifráveis mesmo para o autor), o próprio Herzog diz: “Estes textos não constituem relatos dos trabalhos de rodagem — que quase não são mencionados —, nem diários no sentido mais lato da palavra: são algo diferente, antes paisagens interiores nascidas do delírio da selva. Mas nem mesmo disto tenho a certeza.”
A Conquista do Inútil
Werner Herzog
Ed. Tinta-da-China
Pag. 350
Preço: 19,90€
O mundo e os livros
Viagens, encontros, livros, leitores. Uma fotografia de cada vez, que se torna o pretexto para uma conversa, uma história, um pequeno texto. É assim Uma Volta ao Mundo Com Leitores, o livro de Sandra Barão Nobre (nascida em 1972), autora do site Acordo Fotográfico, onde “homenageia o acto de ler”.