Fugas - Viagens

  • Nuno Ferreira Santos
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A moda da mindfulness deixa-a numa encruzilhada

Depois o livro reflecte também sobre o fenómeno cultural e civilizacional da voga da meditação e sobre os inconvenientes de vivermos numa sociedade dominada por aquilo que me parece ser o novo mito do crescimento a todo o custo, como se a felicidade dependesse disso. E propõe como alternativa uma desaceleração da nossa vida, um reaprender da capacidade de estarmos bem aqui e agora e de descobrirmos que a felicidade não depende tanto do ter mais, de carreiras ou de relações afectivas, mas do descobrir como estar bem aqui e agora, da alegria de ser. Temos em nós tudo aquilo que normalmente procuramos no exterior e no futuro. A meditação é uma via excelente para reaprender isso.

No livro diz também que “imaginamo-nos distintos e separados, vemo-nos não como o espaço, mas como algo ou alguém no espaço”.

Isso é a raiz de tudo. Os principais problemas da sociedade têm a ver com uma questão de percepção da realidade. A cultura dominante diz que existimos separados uns dos outros e da natureza. Isso traduz-se num egocentrismo. Quando isso acontece, creio que a nossa mente passa ao lado da verdadeira felicidade e da vida, porque ela está disponível apenas no momento presente. O mundo torna-se uma competição de todos contra todos e surgem todos os problemas que bem conhecemos: sociais, económicos, ambientais.

Se for orientada para a transformação da percepção da realidade – em que se compreende que não estamos separados de tudo o que nos rodeia – a meditação é a grande alternativa à crise da civilização em que vivemos. O livro propõe um refundamento da nossa vida activa na experiência contemplativa, que foi predominante na humanidade durante milhares de anos e esquecida, principalmente, a partir da Revolução Industrial.

O que é, afinal, a meditação e a mindfulness? São duas palavras para dizer a mesma coisa ou são coisas diferentes?

Mindfulness é meditação. É estar plenamente atento ao que está a acontecer a cada momento. Meditar, contrariamente ao que muitas vezes se pensa, não é esvaziar a mente ou entrar em transe, é simplesmente estar consciente do que está a acontecer, a nível físico, mental ou no mundo, sem fazer juízos nem reagir dominado pela possessividade ou pela aversão, a hostilidade.

A meditação surge associada ao budismo, há quem faça dela uma mera prática terapêutica e quem a associe a um estilo de vida. A meditação é tudo isto, mais do que isto, ou parte de algo maior?

A meditação não nasceu só no budismo, esteve presente em todas as grandes tradições da humanidade, inclusive no Ocidente. Nos primeiros séculos do cristianismo, por exemplo, havia formas de meditação. E padres como John Main ou Laurence Freeman, no século XX, redescobriram essa tradição meditativa cristã e hoje há uma grande comunidade a nível mundial. Mas está a ser redescoberta no Ocidente a partir da tradição budista porque aqueles que criaram os primeiros programas laicos de meditação eram praticantes budistas, que usaram essa estratégia para levá-la ao grande público.

A meditação pode ser vivida como uma mera terapia, num contexto religioso ou pode ser assumida como um estilo de vida que não implica um vínculo a determinada religião. Depende do contexto em que surge, de quem a pratica e da finalidade com que é praticada. Tradicionalmente, surge inserida num caminho espiritual de desenvolvimento da consciência e com uma intenção altruísta. Mas muitas vezes, naquilo a que hoje se chama mindfulness, não se pratica para estar consciente do aqui e agora nem para abrir o coração e a consciência às necessidades dos outros, mas para atingir alguma coisa.

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