Fugas - Vinhos

Paulo Ricca (arquivo)

10 enólogas: Há dezenas e dezenas de mulheres a fazer vinho

Por Pedro Garcias

O mercado está cada vez mais de olho nas mulheres, produzindo vinhos que vão ao encontro dos seus gostos e sensibilidade. Mas há uma ironia nesta dinâmica: muitos dos vinhos que enchem as garrafeiras das lojas da especialidade ou das grandes cadeias de distribuição já são feitos por mulheres. Elas ainda não dominam o negócio, mas também já não estão remetidas ao seu papel mitológico de bacantes, nem fechadas apenas nas paredes de um laboratório.

Há menos de duas décadas, encontrar 10 enólogas em Portugal para uma reportagem sobre a presença das mulheres no mundo do vinho era quase uma utopia. Hoje, já somos obrigados a delimitar o grupo e a deixar muita gente de fora. Para este retrato do vinho no feminino escolhemos 10 enólogas com influência no sector, mas podíamos seleccionar muitas mais. De norte a sul do país, da Madeira aos Açores, há dezenas e dezenas de mulheres a fazer vinho. Muitas não são conhecidas, vivendo subordinadas à figura tutelar do enólogo consultor, mas há cada vez mais a assumir as tarefas da enologia sozinhas.

A história do vinho está cheia de figuras femininas lendárias. Em Portugal, nenhuma se aproximou do protagonismo que atingiu Dona Antónia Ferreira, "A Ferreirinha", no século XIX. Foi uma pioneira, não só por ter assumido a liderança do negócio das vinhas e do vinho da família, mas também por ter sido bem sucedida. Algumas das quintas mais importantes do Douro actual, como o Vallado e o Vale Meão, são um legado seu.

As "Ferreirinhas" de hoje são Leonor Freitas, que dirige a Casa Ermelinda de Freitas (Terras do Sado), Ana Cristina Ventura, a proprietária da Herdade dos Cadouços (Tejo), Catarina Vieira, a líder da Herdade do Rocim, Luísa Amorim, a responsável pelos negócios do vinho no Douro da família Amorim (Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo), e Laura Regueiro, a matriarca da duriense Quinta da Casa Amarela. Não são as únicas, há muitas mais, embora não com a mesma relevância. Se descermos da administração para a adega, aí o panorama é outro. No espaço sagrado do vinho, ainda dominado por homens, há um acento cada vez mais feminino.

Graça Gonçalves, enóloga da Quinta do Monte d'Oiro, não atribui um significado especial ao fenómeno. "Há mais mulheres no mundo do vinho como há em todas as outras profissões. Antes não víamos mulheres na tropa, agora vemos. Antes não havia mulheres a conduzir autocarros, agora há", diz. Graça fala de uma conquista da democracia. "Hoje as coisas acontecem mais naturalmente. Antes, só estavam no vinho as filhas ou as mulheres dos proprietários. Os homens só queriam as mulheres para os laboratórios, para estarem ali paradinhas. A minha geração [tem 42 anos] ainda sentiu isso na pele", diz. Ela própria viveu uma experiência que espelha bem a estigmatização da mulher enóloga (ver texto ao lado).

Filipa Tomás da Costa, a directora de enologia da Bacalhôa e decano das enólogas portuguesas, acha que as mulheres do vinho estão a fazer o mesmo percurso e a sentir as "mesmas dificuldades que todas as mulheres sentem quando exercem profissões antes reservadas apenas aos homens". "A Europa ainda é um mundo de homens", sustenta.

Mas não valoriza muito a ideia de que as mulheres estão a afirmar-se no mundo do vinho porque são mais sensíveis. "Todos nós temos tendência para colocar um pouco do nosso gosto pessoal nos vinhos. Eu, por exemplo, não gosto de vinhos abrutalhados. Mas o importante é sempre a matéria-prima. Com um peixe mau, não podemos fazer um bom prato de peixe", diz.

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