Fugas - Vinhos

No Douro Superior

No Douro Superior Nelson Garrido

O aquecimento global está a mudar o atlas do vinho

Por Pedro Garcias

No Dia da Terra, recuperamos uma análise sobre como as alterações climatéricas estão a afectar o mundo dos vinhos. Sublinhe-se que, contrariando uma tradição secular, na primeira década deste milénio, algumas das principais casas de Vinho do Porto vão declarar quatro "vintage" clássico. Este pode ser um efeito positivo das alterações climáticas, mas o aumento da temperatura na Terra irá ter consequências devastadoras em muitas regiões vitícolas. O mapa do vinho poderá ficar irreconhecível nas próximas décadas.

-> MAIS: Taylor's, Fonseca e Croft declaram vintage clássico 2009


Se as previsões dos climatologistas se confirmarem, o aumento da temperatura vai ter consequências sérias na viticultura mundial. O cultivo da vinha não atravessa o mesmo perigo de espécies como o urso polar, mas é provável que o excesso de calor venha a adulterar a tipicidade de alguns vinhos (já aconteceu isso em várias regiões francesas na colheita de 2003), que surjam novas pragas, que muitas regiões vitivinícolas tenham que se reinventar e adaptar se não quiserem desaparecer e que o mapa vitícola mundial continue a estender-se rumo aos pólos e comece a incorporar novas zonas produtoras, actualmente frias de mais para a viticultura de qualidade.

As mudanças já estão a ocorrer, como se constata pela antecipação do início das vindimas em vários países, pela ocorrência de ondas de calor extremo alternadas com precipitações intensas e pelo aparecimento de pragas até então pouco habituais. Dentro de algumas décadas, o atlas do vinho não será seguramente o mesmo. Até ao final deste século, segundo a previsão de Bernard Seguin, coordenador das pesquisas de clima do Institut National de la Recherche Agronomique francês, o limite setentrional da viticultura - que em meados do século passado se estendia da Bretanha à Ucrânia - deverá chegar à Escandinávia.

A boa notícia é que o aquecimento vai melhorar a qualidade das uvas em muitas regiões, como a nossa região dos Vinhos Verdes, por exemplo. E países como a Bélgica, Holanda ou Inglaterra, hoje sem clima para a viticultura de qualidade, poderão vir também a ter condições para produzir os seus próprios "Grand crus". No caso dos ingleses, povo enófilo como poucos, seria a felicidade na Terra. Para já, graças ao aumento da temperatura, a Inglaterra vai -se afirmando no mundo dos espumantes, em particular no sul do país, onde o solo não é muito diferente do da região de Champanhe. E ninguém se admire se, dentro de alguns anos, as grandes casas francesas começarem a comprar terras nas cada vez mais pujantes regiões de Kent e Sussex, assegurando, assim, a continuidade do negócio.

O vinho gosta de sol e de calor e ao longo da história beneficiou muito do aquecimento global, sobretudo no chamado Velho Mundo, ou seja, os países europeus com maiores tradições vinícolas, como a França, Itália, Espanha e Portugal, entre outros.

Especialistas de três universidades americanas (Gregory Jones da Universidade do Sul de Oregon, Michael White da Universidade Estadual do Utah e Owen Cooper da Universidade do Colorado) compararam a classificação atribuída pela leiloeira Sotheby's ao vinho produzido em 27 regiões vitivinícolas de todo o mundo nos últimos 50 anos com a variação dos valores da temperatura durante o mesmo período e concluíram que um aumento da temperatura média de cerca de dois graus Célsius correspondeu a uma melhoria gradual e significativa da qualidade dos vinhos.

Em Portugal, o passado recente no vinho do Porto pode permitir a mesma conclusão. Em média, por década, as grandes casas do sector só declaram Porto Vintage clássico (vinhos de uma só colheita de qualidade excepcional engarrafados com a marca principal das empresas) duas ou três vezes. Na primeira década deste milénio, já vamos em três anos "vintage" clássico: 2000, 2003 e 2007. E já é certo que, rompendo com uma tradição de séculos, algumas das principais casas do sector vão declarar "vintage" clássico também em 2009.

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