Fugas - Vinhos

No Douro Superior

No Douro Superior Nelson Garrido

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O aquecimento global está a mudar o atlas do vinho

Mas não é seguro que a qualidade geral dos vinhos continue a aumentar, até porque o excesso de calor não é bom para o amadurecimento das uvas. Com a subida do volume alcoólico, subirá  o PH do vinho e diminuirá a sua acidez natural; algumas castas perderão cor e sabor, outras verão as suas especificidades alteradas.

De acordo com as previsões dos mesmos especialistas americanos, a temperatura média nos próximos 50 anos deverá aumentar 2,6 graus Célsius, o suficiente para que se torne " virtualmente impossível cultivar vinha nas regiões mais quentes se os produtores não equacionarem medidas de adaptação às mudanças climáticas". E as regiões mais ameaçadas, ainda segundo os três investigadores, situam-se na Califórnia e na Península Ibérica, onde a desertificação tem vindo a ganhar terreno.

Em Portugal, os maiores receios recaem sobre o Douro (em particular sobre o já tórrido Douro Superior) e o Alentejo, as regiões mais quentes do país e onde são esperados aumentos da temperatura de 2,4 e 2,8 graus Célsius, respectivamente. A rega é uma das respostas possíveis, cada vez mais aplicada, de resto, mas o aquecimento também levará à diminuição da água disponível. A adaptação às alterações climáticas terá que ser feita em várias frentes, desde a escolha de castas mais resistentes aos calor e à seca (e as variedades autóctones são as que resistem melhor, porque se foram adaptando ao longo do tempo) até a uma gestão mais sustentável da vinha e da água (sabia que por cada copo de vinho são gastos, em média, 120 litros de água?), passando por uma deslocalização dos vinhedos para zonas mais altas e frescas. Um grau a mais de temperatura significa ter de elevar a cota das vinhas em cerca de 150 metros.

No Alentejo, devido à orografia plana da região, essa subida da altitude das vinhas é difícil; no Douro, é mais fácil, face à natureza montanhosa da região. O movimento tenderá, assim, a inverter-se, com os viticultores a fugirem das zonas junto aos rios, até agora as mais procuradas, para as mais altas. De resto, é o que já está acontecer, nomeadamente para a produção de vinhos brancos.

Mas o grande impacto poderá dar-se no muito fechado universo do vinho do Porto. Por agora, a qualidade do vinho parece estar a beneficiar com o aumento da temperatura, tirando partido, também, da instabilidade meteorológica (mais chuva fora das épocas de vindima, por exemplo). Só que há um limite para tudo. O vinho do Porto, sendo doce, também precisa de acidez. E esta alcança-se mais facilmente nas zonas mais altas.

Acontece que a classificação das vinhas para vinho do Porto continua a assentar num método de pontuação do final da primeira metade do século XX (elaborado por Moreira da Fonseca) que beneficia as vinhas situadas nas cotas mais baixas. Se as alterações climáticas estão a empurrar os viticultores para cotas mais altas, aquele método de pontuação começa a deixar de fazer sentido, pelo que mais ano menos ano terá que ser revisto, o que poderá provocar uma verdadeira revolução fundiária e social na região demarcada  de vinho mais antiga do mundo no sentido moderno do termo.

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