Fugas - Vinhos

Quinta do Crasto

Quinta do Crasto Paulo Ricca

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Um paralelismo indesejado

Tal como uma Europa que parece condenada a viver sob a prepotência de duas velocidades, também Bordéus sobrevive sob o mesmo jugo: enquanto a maioria dos chateaux bordaleses pouco mais consegue que resistir a uma tragédia anunciada, fugindo da incessante ameaça da falência, uma pequena minoria desfruta uma vida de eterna animação e euforia, baseada na especulação que qualifica os grandes nomes de referência. São sintomas relativamente semelhantes aos que, infelizmente, e passe a evidente desproporção entre as duas denominações, os vinhos de mesa do Douro experimentam na fase actual da sua ainda curta existência histórica.

Também no Douro se conseguem perceber diferenças crescentes entre a fortuna dos projectos mais sólidos e coerentes, entre aqueles que enchem as páginas das revistas nacionais e internacionais, e que justamente nos enchem de orgulho, e as centenas de pequenos produtores que dificilmente poderão ser viáveis, incapazes de beneficiar da magia do nome Douro para criar um projecto e uma identidade. Enquanto os principais Grand Cru Classé oficiosos do Douro, nomes de referência como o são a Quinta do Crasto, Niepoort, Pintas ou Quinta do Vale Meão, acompanhados por um pequeno punhado de outros nomes sólidos, são obrigados a ratear os seus vinhos, incapazes de satisfazer todas as demandas dos muitos aspirantes a possuir uma garrafa, a maioria dos produtores durienses esforça-se por conseguir escoar vinhos de valor questionável e comercialização duvidosa.

E, tal como em Bordéus, este fosso, em lugar de se estreitar, continua a alargar-se de forma trágica. O que leva a que os vinhos de mesa do Douro tenham acabado por se transformar num imenso paradoxo, desmembrados entre o sucesso dos produtores mais sólidos e o fracasso daqueles que, de forma efectiva, representam o grosso da produção. Não fora a providência do Vinho do Porto para apaziguar as maleitas e a região viveria hoje momentos ainda mais dramáticos.

Mas o infeliz paralelismo com Bordéus estende-se ainda ao constrangedor alheamento da realidade, patente no lançamento continuado de vinhos a preços insustentáveis e sem qualquer relação directa com a qualidade... ou com a apetência e disponibilidade actual do mercado e da economia, por parte de produtores quase desconhecidos e sem historial. Uma estratégia suicida pela inconsequência, até porque, ao contrário de Bordéus, o Douro não conta nem com séculos de experiência. nem com uma apetência universal pelos seus vinhos de mesa saídos das margens do Douro!

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