Fugas - Vinhos

Nuno Ferreira Santos

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As castas plantadas em Portugal saem do armário

A atracção, de norte a sul do país, por castas estrangeiras e por um número cada vez mais reduzido de castas nacionais tem levado muita gente a cometer erros colossais e a esquecer, por exemplo, as consequências das alterações climáticas. Como lembrava Rogério de Castro, duas das castas que mais aguentam o calor são a Trincadeira e o Castelão e, no entanto, a presença de ambas tem vindo a diminuir no país, quando seria de esperar o contrário.

Por outro lado, os programas de modernização da viticultura portuguesa, apoiados por fundos comunitários e nacionais, têm provocado a destruição de inúmeras vinhas velhas e ameaçado a conservação de algumas castas. Nem todas as vinhas velhas são boas, a maioria será até má, pelas castas de pouca qualidade que têm. Mas muitas são verdadeiros tesouros. Só que não existe nenhum projecto de inventariação e classificação das parcelas que merecem efectivamente ser conservadas (a tarefa não é fácil, reconheça-se), pelo que algumas delas acabam destruídas com o apoio financeiro do próprio Estado.


Vinhos velhos  e eternos

Claro que nem tudo é mau. A cultura da vinha viveu congelada durante muito tempo em práticas empíricas, nem sempre amigas da qualidade. Mas nunca como hoje se fez tão boa viticultura e enologia. E mesmo o arcaísmo herdado pelas novas gerações de viticultores teve o seu efeito virtuoso: permitiu conservar uma diversidade de métodos, de estilos de vinhos e de castas que constituem hoje uma imensa riqueza e uma inesgotável fonte de inspiração.

Alguns dos vinhos de antigamente seriam hoje moderníssimos, se os produtores e os consumidores tivessem paciência para esperar pela sua evolução. O IVV possui uma vasta garrafeira de vinhos antigos e uns quantos puderam ser provados ao almoço, permitindo confirmar isso mesmo. Perante a complexidade, frescura e vivacidade dos tintos com 11,5% de álcool de 1980 e 1983 da Adega Cooperativa de Oliveira do Bairro, ou do ValdArcos de 1989, ou ainda dos Bageiras e Quinta dos Roques de 1990, por exemplo, é impossível não ficar saudoso dos vinhos clássicos. Já para não falar dos curiosos aperitivos e abafados da Adega do Cartaxo da década de 50 do século passado e de alguns Madeira.

Um deles, um Malvasia de 1879 e engarrafado em 1938 de Luiz Gomes da Conceição, é a confirmação de que os Madeira podem ser eternos. Outro, um Vinho Surdo de Listrão do Porto Santo, colheita de 1941 e engarrafado em 1947, não nos levou aos céus, mas valeu pela raridade. Não se conhece a sua proveniência. Sabe-se, isso sim, que "surdo" era o nome que chamavam ao vinho fortificado/abafado da Madeira. E o Listrão é uma casta quase desaparecida do arquipélago da Madeira. Os poucos cachos que ainda se produzem no Porto Santo são vendidos na rua a turistas.   

Provou-se ainda um Madeira Verdelho de 1941, da Junta Nacional do Vinho, e bastaria esta garrafa para o almoço ser memorável. O vinho tem uma acidez quase arrepiante e uma doçura austera e cativante que nos deixa literalmente a salivar. Fantástico.   

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