Fugas - Vinhos

Nuno Ferreira Santos

As castas plantadas em Portugal saem do armário

Por Pedro Garcias

O Instituto da Vinha e do Vinho lançou o primeiro volume do Catálogo das Castas para Vinho Cultivadas em Portugal: reúne 90 variedades das cerca de três centenas plantadas no país.

Em Portugal há cerca de 300 castas plantadas e destas 250 são nacionais. É um património ímpar no mundo que se encontra disperso por milhares de vinhas novas e velhas, algumas mesmo muito velhas. Nem todas produzem bom vinho, mas têm um passado por trás e nunca se sabe se voltarão a ter futuro. O mundo do vinho é uma roda imparável, sujeita a modas, a ciclos económicos e à aleatoriedade da natureza. 

A caracterização das castas nacionais começou a ser feita há 25 anos e já se sabia muita coisa sobre quase todas elas. Mas faltava sistematizar esse conhecimento, espalhado por inúmeras fontes e organismos. Foi essa lacuna que levou o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) a lançar o Catálogo das Castas para Vinho Cultivadas em Portugal, sob a coordenação técnico-científica de Rogério de Castro. O primeiro volume foi apresentado no passado dia 14, em Lisboa, e reúne fichas tipo bilhete de identidade sobre 90 variedades. 

Nos últimos anos, a ciência tem conseguido traçar a origem e a evolução de uma grande parte das castas existentes em Portugal e a realidade nem sempre coincide com a ideia adquirida. Alguns mitos só persistem por razões comerciais. Por exemplo, as garrafas de muitos vinhos do Alentejo, do Douro, do Dão e da Península de Setúbal que ostentam nos rótulos a casta Verdelho contêm, na verdade e na maioria delas, Gouveio ou Verdejo da região espanhola de Rueda. O verdadeiro Verdelho ainda se confina, por agora à Madeira e aos Açores, embora esteja a ser introduzido (ou reintroduzido) no continente. E o agora tão afamado Sousão do Douro não é mais do que o Vinhão do Minho. Existe uma casta Sousão, diferente do Vinhão, mas também só se encontra na região dos Vinhos Verdes.

Já agora: quantas pessoas saberão em Portugal da existência da casta Água Santa? Não muitas e ainda menos saberão que esta variedade foi obtida por cruzamento de Trincadeira com Castelão na Estação Agronómica Nacional, em 1948. É precisamente esta cultivar que abre o catálogo das castas. Cada ficha traça o retrato da variedade, desde o aspecto da folha e do cacho às suas aptidões culturais e enológicas e dispersão geográfica, sem esquecer as suas coordenadas genéticas (o chamado perfil de microssatélites), obtidas através do estudo do ADN da planta. 

Está previsto o lançamento futuro de um segundo volume com mais algumas dezenas de variedades. Antes disso, o IVV vai arrancar com um projecto ainda mais ambicioso, que é o estudo e a caracterização enológica das castas. A ideia é saber que tipo de vinho produz cada uma delas. Na Estação Vitivinícola Nacional, em Dois Portos, no concelho de Torres Vedras, as castas existentes já estão a ser estudadas em condições idênticas. Mas o número de videiras de algumas variedades é tão pequeno que ainda não permite fazer micro vinificações consideradas representativas.


O ocaso anti-natura da Trincadeira  e do Castelão

Para muitas castas, o melhor estudo já tem vindo a ser feito há muito tempo pelos produtores de vinho nacionais. Foi, de resto, a alguns deles que o director da Revista de Vinhos, Luís Lopes, recorreu para reunir amostras de vinhos varietais de 2010 e proporcionar na apresentação do Catálogo das Castas uma prova comparativa de 34 castas (17 brancas e 17 tintas). A prova, rara e didáctica, mostrou que castas brancas como a Cercial ou tintas como o Moreto, a Tinta Francisca ou o Rufete podem originar vinhos magníficos. E pôs também em evidência a enorme diversidade vitícola nacional e a insensatez de muitos produtores, que insistem em povoar os novos vinhedos de Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot ou Syrah.

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