Trabalhava então a 200 quilómetros de casa, que é na própria Quinta do Anjo.
O Moscatel de Setúbal é agora a sua menina-dos-olhos. E não resiste a pôr os pontos nos i, quando espicaçada a explicar a conquista de mais uma medalha. Primeiro ponto de ordem à mesa: há concursos mundiais como uvas em cacho. A este, porém Muscats du Monde, realizado nos primeiros dias de Julho, em Frontignan-la-Peyrade, na região do Languedoc-Roussillon, prefeitura de Montpellier, Sul de França, só acediam vinhos licorosos exclusivamente de casta Moscatel, e o da casa Venâncio que foi a concurso ficou entre os dez melhores. Maior honraria mesmo (ouro, de excelência) só para um sulafricano e um cipriota Nederburg Private Bin Eminence 2007 e Mosxatos 2007, respectivamente.
Segundo ponto de ordem: houve mais ouro para o Moscatel português, não nos dez primeiros, mas ainda assim de distinção, uma vez que concorreram 206 vinhos oriundos de 23 países. Foram eles os Moscatel Roxo 2007 e Setúbal 2007 (da Sivipa), e o Moscatel do Douro 10 anos (da Adega de Favaios).
Estratégia nova
Joana Vida explica que a casa Venâncio é neófita nestas andanças: "Não tínhamos muita visão para o exterior. Mas mudámos a estratégia e decidimos arriscar em três ou quatro concursos, os mais importantes. E temos obtido muito bons resultados, especialmente nos tintos e no Moscatel. Sempre que concorremos conquistamos ouro ou prata. E desta vez entrámos com dois Moscatel, um reserva, e um Moscatel novo, sem estágio, de casta nova, sem aroma a madeira, com sabor predominante a flor de laranjeira e mel. Foi este que nos valeu o ouro. Em 2009 foi o Reserva." A casa não produz apenas Moscatel de Setúbal, mas também, com aquela casta e Fernão Pires, brancos de mesa. Os processos é que são diferentes. Lá chega nova explicação, fulcral para quem nunca ligou muito ao vinho Moscatel. De uma forma simples: "Ou se vinifica como vinho branco, ou como generoso. Para generoso, entra uva, esmaga-se, vai para o depósito e no dia a seguir abafa-se com aguardente vínica. Depois fica em maceração prolongada entre três a cinco meses, até acharmos que a aguardente já casou com o mosto. É um vinho doce, pois a doçura ficou do açúcar das uvas, que não se transformou em álcool, porque não fermentou. E é alcoólico, porque lhe foi adicionada aguardente vínica. O Moscatel querse doce, q.b., e o maior segredo é combinar a doçura com a acidez. Se demasiado doce, torna-se enjoativo; então, é preciso achar o ponto ideal em que as uvas ainda têm alguma acidez, embora não se note à prova.
Sem essa acidez seria uma lástima. É por isso que se pode beber como digestivo, a acompanhar um doce. Ou como aperitivo, com um queijo.
Mas é mais no Natal e Páscoa, ou aqui, na região, na festa das vindimas." Na colheita há regras importantes, consoante o fim a que se destina a uva. Fala a enóloga: "Não há vinho bom que não provenha de uvas sãs e colhidas na altura certa." Parte da vindima é em meados de Agosto, para os vinhos brancos, quando a uva está a ganhar doçura, pois os bagos têm menor teor alcoólico e ainda alguma acidez. "Para o licoroso queremo-lo mais maduro, com mais aromas da casta, lá mais para os finais de Setembro." Mas porquê a especialização no Moscatel de Setúbal? "Não é que nos especializemos tanto no Moscatel, este é que tem tido, e queremos que tenha, mais visibilidade junto dos portugueses. E estamos a fazer disso uma bandeira. É uma entrada para nos conhecerem. Se assim for, óptimo; queremos que agora conheçam o resto, até porque produzimos milhões de litros de branco e tinto e do Moscatel de Setúbal apenas 100 a 120 mil litros", explica Joana Vida, que reconhece o carácter familiar do negócio. "Somos pequenos, quando comparados com os grandes da região. Isto é familiar, mas temos o nosso lugar e estamos no bom caminho. Procuramos mais capacidade tecnológica e já melhorámos o que temos em casa."