Entretanto, o filho emigrado ensaiou outras novidades do outro lado do Atlântico, onde plantou uvas sem grainhas. Teve o benefício instantâneo de lhe fazer crescer a cotação na sua própria casa, recorda António Silvestre: "Os meus filhos eram ainda muito pequenos quando fui buscar uvas sem grainhas à Universidade de Davis, na Califórnia. No dia em que levei o primeiro cacho de uvas sem grainhas para o almoço, as uvas mudaram de nome lá em casa. Os miúdos, que costumavam perguntar-me à chegada 'Papai trouxe uva?', passaram a perguntar: 'Papai trouxe uva semcaroço?'" De volta a Portugal em 2000, António Silvestre revolveu fazer um telefonema à organização inglesa que costumava comprar uva de mesa ao seu pai e foi informado que agora já só compravam uva sem grainhas.
Desde aí que o destino do Vale da Rosa mudou: se as tradicionais uvas com grainha continuam a ser produzidas para o mercado português, uma parcela crescente da plantação de novas vinhas passou a ser ocupada por uvas sem grainhas, mais a pensar na exportação. "Tenho muita dificuldade no mercado nacional, porque as pessoas ficam desconfiadas em relação ao que não é natural. Mas encontrei uma maneira simples de explicar o que produzo é dizer às pessoas que sempre comeram uva sem grainhas, nomeadamente nas passas dos bolos.
Na verdade, a uva sem grainha sempre existiu paralelamente à uva com grainha, mas as bagas eram pequenas e os cachos pouco bonitos. De há alguns anos a esta parte passou a haver maior interesse pela uva sem grainha e por isso a sua produção foi apurada. Agora o Norte da Europa já só importa uva sem grainha e dizer isto também lhe dá alguma credibilidade no mercado interno".
Mercedes da fruta
Com ou sem grainha, o propósito do Vale de Rosa é produzir uva de mesa de primeira qualidade. Outra história de António Silvestre: "Uma vez encontrei uma senhora num supermercado que achou que as nossas uvas eram caras. Ela até comentou: 'Uva é uva, não será que é toda igual?' Eu respondilhe: "Aí é que a senhora se engana. Uma coisa é um Fiat e outra é um Mercedes. Não quer dizer que o Fiat não seja bom, mas o Mercedes é melhor. Eu fiz uma fábrica para construir Mercedes". Dito assim, soa algo pretensioso, mas a partir do momento em que se fala em deitar toneladas de uva para o lixo a conversa da qualidade passa a fazer outro sentido.
Toda a uva produzida no Vale da Rosa passa por três etapas de selecção: uma antes da floração, outra no engrossamento (pósfloração) e uma terceira na chamada fase do pintor, quando a uva começa a ganhar a sua cor definitiva. A selecção é considerada sinónimo de qualidade, num espírito que não anda muito longe do darwinismo: "Só pode ficar no pé aquele cacho que nós acreditamos que vai ter excelente sabor. Já aqueles que achamos que não se vão dar tão bem são retirados e assim os cachos vizinhos ficam mais bem nutridos. Claro que se vou contar isto as pessoas não acreditam. A diferença entre fazer uvas e fazer uvas de grande qualidade é que nós jogamos para o chão isso tudo que seria vendido. Qualidade significa centenas de pessoas a fazer croché com as tesouras, para que os bagos exaltem o seu potencial".