As modas e tendências, poderosas como são, influenciam o mundo do vinho de forma especialmente virulenta, sujeitando os seus intervenientes a utilizar lugares comuns de absorção simples, frases feitas repetidas até à exaustão. Uma das mais recentes, e que consagra um dos chavões mais apreciados pelos espíritos condicionados pelo pensamento politicamente correcto, assegura com convicção que os melhores vinhos só poderão ser fruto de uma aproximação enológica não interventiva, onde o enólogo se deverá confinar ao papel de mero espectador do trabalho de Deus e da natureza. Segundo esta visão, mais ou menos idílica, o vinho seria consagrado como um produto espontâneo e quase sagrado, resultado directo da bondade da natureza.
Presentemente, são poucos os enólogos e produtores que não alinham, pelo menos publicamente, por este diapasão, proclamando as virtudes da enologia minimalista, atestando a quase ausência de intervenção, prescrevendo uma aproximação leve e sem ingerências no destino superiormente traçado pela natureza. Ou seja, são raros os enólogos que hoje não anunciam o seu vinho como o resultado de um processo natural e espontâneo da videira, em lugar de uma obra propositada e criativa do homem.
Um paradoxo absoluto! Porque, a ser séria tal premissa, isso implicaria que os melhores vinhos teriam de ser o resultado directo da graça de Deus, restando ao homem o papel de simples espectador dos caprichos da natureza, de mero tutor do fruto da videira. Como narrativa romântica e como sound byte empolgante a imagem é encantadora, mas, infelizmente, o conceito tem pouco a ver com a realidade. Porque, deixando de lado os maneirismos do marketing e a ditadura do pensamento politicamente correcto, a ideia romântica da enologiade intervenção minimalista pouco ou nada significa! A afirmação poderá até parecer chocante, mas o vinho é tudo menos um efeito directo da natureza.
Pelo contrário, o vinho é uma criação intelectual do homem, porventura uma das suas criações mais completas e sublimes, dependente de dezenas de pequenas e grandes decisões, de escolhas, de intervenções mais ou menos incisivas. O vinho é uma criação artificial, criado e acarinhado pelo homem, com a cumplicidade da natureza. Porque, convém não o esquecer, sem o acompanhamento do homem o resultado natural e instintivo do esmagamento e posterior fermentação das uvas não seria o vinho... mas sim o vinagre! Sem a intervenção directa do homem, sem o seu amparo e protecção, o vinho não existiria.
Tal como não existiriam as videiras, pelo menos da forma como as entendemos hoje. Videiras que são uma planta trepadeira domesticada pelo homem, disseminada pelos cinco continentes, condicionada pelo homem. Quem se entretém a discutir sobre uma aproximação minimalista ao vinho tende a esquecer-se da intervenção contínua que praticamos na vinha, abstraindo-se de comentar processos como a condução da vinha, podas, desfolhas, mondas em verde, irrigação, compassos e distâncias entre linhas e tantas outras condicionantes artificiais a uma planta bravia que o homem domesticou e conduz a seu belo prazer, intervindo directamente na sua lavra.