Claro que se fossem apreciadores sérios e não meros compiladores de rótulos, o destino escolhido teria, muito provavelmente, sido o paraíso terrestre dos reformados norte-americanos, o soalheiro estado da Florida, no extremo sul dos Estados Unidos da América. Porque é aqui que se arruma o restaurante Bern"s Steak House, uma simples casa de bifes como tantas outras nos Estados Unidos, um quase desconhecido fora da América... e um autêntico fenómeno dentro do país. Sim, o Bern"s Steak House é seguramente um restaurante muito menos erudito que o Pétrus londrino, limitando-se a servir carne de excelente qualidade, em preparações sóbrias e tradicionais, prestando um serviço amável e competente apesar de simples, sem nenhum dos cuidados e considerações dos restaurantes estrelados.
Mas em compensação acolhe aquela que é considerada a melhor carta de vinhos do mundo, facultando um número quase irreal de mais de 500.000 garrafas em stock permanente, estacionadas em diversas caves subterrâneas. Só a simples cave de dia, que traduz pouco mais de um quinto do total de existências, acomoda perto de 6500 referências únicas, prestando uma imagem perfeita da extensão desmesurada da lista de vinhos... que se estende por perto de 2500 páginas atestadas de nomes de vinhos, desde propostas simples e despretensiosas até referências históricas que nos fazem salivar de antecipação.
Diga-se que, numa lista que consagra a extravagância de prometer quase duzentos vinhos a copo, bem como alguns vinhos bordaleses do século XIX, e que mediante solicitação especial é visitável, figura um vinho português em absoluto destaque na lista, um Vinho da Madeira de 1792 que assegura a deferência de ser o vinho mais antigo na cave. Isto claro, para além das muitas outras referências nacionais em lista, entre vinhos da Madeira, Porto e vinhos de mesa, alguns deles servidos a copo.
E em Portugal, se um dia quiséssemos celebrar com extravagância o fim oficial da crise e o retorno aos tempos de bonança, onde nos deveríamos dirigir? Quantos restaurantes portugueses propõem cartas de vinhos faustosas, robustas e bem elaboradas? Quantos restaurantes nacionais decidiram alguma vez investir em listas de vinhos criteriosas e universais, acumulando vinhos sérios de vários pontos do mundo, mesmo que de origem e custos mais humildes? Quantos restaurantes se propõem comprar cedo e com critério, envelhecendo os vinhos em cave, proporcionando vinhos de colheitas mais antigas aos seus clientes? Na verdade, quantos restaurantes têm sequer o cuidado de oferecer listas de vinhos equilibradas, admitindo vinhos de todas as regiões nacionais, alargando-se para além dos eternos aspirantes Douro, Alentejo, Vinho Verde... e pouco mais? Quantos restaurantes têm sequer o cuidado de procurar vinhos que extravasem os nomes de produtores ou rótulos já consagrados, arriscando na procura de nomes de produtores, regiões ou castas menos conhecidas?
São poucos, muito poucos, os restaurantes que se preocupam em sancionar uma lista de vinhos séria e criteriosa. Mas são muitos, francamente muitos, os que se dispõem a praticar margens de comercialização indecorosas sem que à grandeza corresponda um serviço digno.