Fugas - Vinhos

A fabulosa prova do bicentenário da Blandy`s Madeira

Por Pedro Garcias

Para assinalar o bicentenário da fundação da Blandy`s Madeira, a família Blandy deu a provar 12 vinhos Madeira raros: entre o mais novo, Malmsey 1994, e o mais antigo, Bual Solera 1811, há um arco de tempo de 183 anos.

Bastava ter participado nesta prova para se perceber por que razão os vinhos Madeira são tão extraordinários e tão duradouros. Por serem vinhos fortifi cados préoxidados (ao contrário do vinho do Porto, envelhecem nas partes mais altas e quentes das caves) e possuírem uma fabulosa acidez (derivada da natureza vulcânica da ilha), podem durar séculos, mantendo-se frescos e complexos. Há poucos vinhos assim no mundo. Os seus maiores apreciadores estão nos Estados Unidos e em Inglaterra. Em Portugal, o vinho Madeira ainda é quase desconhecido pela maioria dos consumidores nacionais. Mas aqueles que gostam, como é o nosso caso, são verdadeiros devotos.

Provaram-se três Malmsey (Malvasia), os 1994, 1985 e 1954; um Terrantez, do ano de 1976; um Bastardo, de 1954; três Sercial, o 1966, o 1950 e 1910; e quatro Bual, o 1968, o 1920, o 1874 e o 1811. Alguns destes vinhos já não estão à venda.

Os Malvasia são os mais doces de todos. Dos três em prova, sobressaiu o 1985. Longo e concentrado, é um vinho com um bouquet intenso e complexo, onde dominam os frutos cristalizados, as especiarias, o “toff y” e um delicioso salgado. Possui uma bela acidez, que atenua a doçura e o torna muito fresco e vivo no final. Um grande Malvasia.

O Terrantez, que no Douro leva o nome de Folgazão, confirmou a excepcionalidade desta casta, quase em extinção na Madeira. Pela sua qualidade e raridade, nasceu o ditado “As uvas de Terrantez, não as comas nem as dês, para vinho Deus as fez”. Mostrou-se cheio de sugestões de farmácia e especiarias no nariz. É muito amplo de boca, começando doce e terminando seco e ácido. Muito bom. O Bastardo 1954 é a última colheita desta variedade na posse da família Blandy. A casta está praticamente extinta e já não há vinhos no mercado. Vinho muito glicerinado e volumoso, possui uma boa acidez e um bouquet que nos evoca o típico bolo de mel da Madeira. Não sendo um vinho memorável, é, pelo menos, distinto e raro.

Os Sercial (o equivalente à casta Esgana-Cão de Bucellas e do Douro), são os vinhos Madeira mais difíceis, pela sua secura e, acima de tudo, acidez brutal. São tão ácidos que lhes chamam os “quebra dentes”. Nós adoramos. Dos três que se provaram, o 1950 é o menos seco e também o menos vivo. O 1966 é um grande Sercial, muito vivo e pungente, apesar de estar mais concentrado e ser menos cítrico do que é normal para a casta. Exala iodo, sal e torrados e na boca sobressaem as frutas cristalizadas e o açúcar mascavado, sabores que uma acidez de 10 gramas por litro intensifi ca e equilibra. O Sercial 1910 é a quintaessência da casta. Passou 74 anos em casco. Muito químico (iodo, acetona) e especiado, alia elementos sensoriais mais quentes a outros mais frescos e ácidos, o que lhe dá um equilíbrio e expressividade notáveis.

Finalmente, os Bual. Só por eles, a prova já seria memorável. No meio dos quatro, o 1968 foi, como era previsível, o que menos se distinguiu, pagando o preço de ser o mais novo. Entre esta colheita e o Bual de 1811 há uma diferença de 157 anos. Não é a única diferença. Ao contrário dos outros, que são vinhos de uma colheita só, o Bual 1811 é um solera, ou seja, é um vinho enriquecido nos primeiros anos com vinhos de outras colheitas. À décima adição tinha que ser engarrafado (esta categoria já não existe). Menos concentrado do que seria de esperar, é um vinho que ao fim de 200 anos se apresenta muito delicado e refinado e com um fantástico equilíbrio entre açúcar e acidez. Igualmente notável é o Bual 1874, um vinho algo “maluco”, que nos deixa o palato em polvorosa. Muito picante no nariz, pela componente especiada e por um vinagrinho que o espevita de forma deliciosa, é um vinho cheio de iodo e de sugestões de tabaco de cachimbo. Concentradíssimo, possui uma soberba acidez e é muito longo e intenso.

--%>