Cada curraleta pode levar entre seis a dez videiras (muitas levam menos), que crescem sem qualquer aramação junto ao solo. São suportadas por tinchões, pequenos ramos de urze que evitam o contacto dos cachos com a terra pedregosa e proporcionam uma melhor incidência da luz solar.
É uma viticultura heróica, realizada num cenário quase irreal. Há viticultores que produzem apenas algumas dezenas de quilos de uvas por ano e que continuam a cuidar das suas curraletas com a mesma devoção de sempre. Não há qualquer racionalidade económica nesta luta constante contra a natureza adversa, apenas a poesia própria da luta pela subsistência e pela manutenção de uma paisagem que existe desde o início do povoamento da ilha e que tem resistido a todo o tipo de intempéries, desde sismos a ciclones.
Na verdade, a maior ameaça tem sido de natureza imobiliária. Para a travar, o governo açoriano criou a Área de Paisagem Protegida das Vinhas dos Biscoitos, incluindo-a no Parque Natural da Terceira. São 165,40 hectares de biscoito que se distinguem pela "coexistência dos valores mais paisagísticos e culturais com os ecossistemas e habitats naturais, numa paisagem humanizada tradicional de elevado valor estético e produtivo".
Ao mesmo tempo, as autoridades regionais financiaram a construção de uma pequena adega cooperativa na vila dos Biscoitos e têm incentivado a recuperação de curraletas abandonadas e hoje infestadas de incenso.
Até há alguns anos, a maioria da produção de vinho Verdelho era absorvida pela Casa Agrícola Brum. Com o declínio desta casa, por desinteresse na viticultura da última geração da família, a adega cooperativa tem ganho uma importância crescente. Inaugurada em 1999, conta actualmente com 60 sócios. A produção total não ultrapassa os 10 mil litros de vinho.
Não é muito, mas cada litro de vinho que sai das curraletas de biscoito é único e inimitável. São vinhos como estes que interessam cada vez mais aos enófilos exigentes e com maior poder de compra.
Até há pouco tempo, o vinho Verdelho dos Biscoitos era um negócio étnico, circunscrito à comunidade açoriana. Mas a ideia da cooperativa é saltar a fronteira insular e dar uma outra notoriedade aos seus vinhos, de modo a aumentar os rendimentos dos produtores. Para o conseguir, a adega conta desde 2011 com a colaboração de Anselmo Mendes e de Diogo Lopes, um dos seus colaboradores mais directos. A gestão no terreno é assegurada pelo engenheiro agrónomo Nuno Costa, funcionário dos serviços regionais de agricultura.
Os primeiros resultados desta parceria são os vinhos Magma 2011 e Muros de Magma 2011 (uma nova marca), ambos feitos à base de Verdelho. Com as suas diferenças, são dois brancos magníficos, verdadeiros tesouros culturais que expressam de forma admirável a paisagem de lava dos Biscoitos e a persistência dos viticultores locais perante a adversidade. Só por isso, devem ser bebidos com devoção.
Os vinhos
Da colheita de 2011 foram produzidas 10 mil garrafas de Magma e cerca de 2100 de Muros de Magma. Para a realidade dos Biscoitos, não deixa de ser um bom volume, sobretudo comparado com a produção deste ano, que será inferior em 70 por cento.