O primeiro Porto Vintage da segunda década do século XXI é um vinho para o século XXII. Daqui a 100 anos ou mais, algumas das garrafas da colheita de 2011 que estão agora a começa a ser cheias vão certamente ser abertas pelas próximas gerações com a mesma emoção e espanto que sentimos hoje quando provámos vinhos do início do século XX e dos finais do século XIX.
Os vintages de 2011 têm tudo para aspirar ao estatuto de lenda na história do vinho do Porto e perdurarem nos anais do sector com o mesmo brilho e glória de colheitas como a de 1963, por exemplo. Pode parecer cedo e arriscado antecipar um futuro tão duradouro e brilhante para uma colheita, mas o consenso e a euforia que se estão a estabelecer em torno do Porto Vintage 2011 parecem assentar em bases seguras. As condições climatéricas foram perfeitas: choveu bastante nos últimos três meses de 2010 e os meses de Abril e Maio foram mais amenos e húmidos do que o normal, acelerando o ciclo normal da vinha e desencadeando focos de oído e míldio que viriam a provocar uma queda acentuada na produção (menos 20 por cento do que a média, o que favoreceu a concentração das uvas).
As vinhas chegaram ao pico do Verão em pleno stress hídrico e, quando se esperava que a vindima começasse 15 dias mais cedo e com alguns desequilíbrios na maturação das uvas, caíram umas chuvas milagrosas nos dias 21 de Agosto e 1 de Setembro que permitiram o desenvolvimento harmonioso dos teores de açúcar, dos compostos fenólicos (cor, taninos) e da acidez. A vindima acabou por se iniciar uma semana mais tarde do que o habitual e o bom tempo manteve-se quase até ao final de Outubro. Um cenário de sonho para qualquer enólogo.
Como acontece com os grandes vinhos, os vintages de 2011 nasceram perfeitos. Nos próximos meses, à medida que forem sendo revelados, vão andar nas bocas da crítica nacional e internacional. Alguns podem mesmo aspirar à classificação máxima dos críticos mais influentes. Depois de uma década difícil, o vinho do Porto, o grande vinho português, promete voltar a dar que falar.
Ao contrário do que aconteceu em 2009, em que só algumas casas declararam Porto Vintage, em 2011 a declaração irá ser geral. Pequenas e grandes companhias já anunciaram ir lançar vintages clássicos (engarrafados com as principais marcas e feitos com vinhos de várias propriedades).
A Sogrape foi uma das primeiras a fazê-lo, há algumas semanas. A Fladgate Partenership, que comercializa as marcas Taylor`s, Fonseca e Croft, também anunciou esta terça-feira uma nova declaração de vintage, a quinta em apenas 11 anos (depois das de 2000, 2003, 2007 e 2009). A família Symington, que lidera o sector, manteve-se fiel à média histórica (três colheitas por década) e, quatro anos depois, volta a declarar vintage clássico. Pela primeira vez, a apresentação inaugural dos vinhos foi feita em Portugal.
Como maior produtor do Douro (possui 26 quintas e quase mil hectares de vinha), a família Symington é uma espécie de espelho e barómetro do sector. O facto de ir lançar oito Porto Vintage diz bem da qualidade da colheita de 2011 e também do potencial da empresa. Além dos clássicos Graham`s, Dow`s e Warre`s, os Symington vão declarar Cockburn`s (o primeiro na condição de proprietários da marca), Quinta do Vesúvio, Quinta do Vesúvio Capela, Quinta de Roriz (associação com a família Prats) e Graham`s The Stone Terraces, uma extraordinária novidade (ver texto ao lado).
Paul Symington, o líder da empresa, está na companhia há 34 anos e durante este tempo só assistiu ao lançamento de nove vintages. Charles Symington, o director de enologia, entrou para a empresa em 1995 e o vintage de 2011 foi apenas o quinto em que participou. "Declarar um vintage é uma decisão muito importante", sublinhava, com solenidade, Paul Symington.
Para se chegar a esse momento, é necessário um trabalho prévio e verdadeiramente admirável de prova e selecção de lotes (a grande arte do vinho do Porto). O Graham`s 2011, por exemplo, resultou de uma selecção inicial de 70 lotes provenientes das quintas das Lages, Vila Velha, Vale de Malhadas, Tua e Malvedos e da incorporação no blend final de 15 vinhos diferentes (40% de Touriga Nacional, 31% de Touriga Franca, 23% de vinha velha e 6% de Sousão). A produção total das cinco quintas ascendeu a 1.454 pipas (cerca de 800 mil litros) e apenas 131 pipas foram engarrafadas como Graham`s, o equivalente a 8 mil caixas de vinho. Destas, apenas 650 serão vendidas em Portugal (o preço por garrafa deverá andar entre os 65 e os 70 euros).
É um vintage quase de joalharia, imponente e geométrico no seu esqueleto, de aroma distinto e delicado (fruta vermelha, violetas, eucalipto, menta, esteva…) e sabor complexo (fruta, cacau, especiarias). Os taninos são poderosos mas bem maduros, não secando o palato, e a acidez, para um vinho desta natureza, é magnífica. O final é voluptuoso e explosivo. Na verdade, não há muitas palavras para descrever um vinho destes. Descrevê-lo é perdermo-nos em detalhes que pouco interessam. Um simples adjectivo basta: soberbo.
E podíamos dizer o mesmo de quase todos os outros vintages de 2011 da família Symington , em especial do delicado Warre`s, do denso e concentrado Quinta do Vesúvio Capela (200 caixas apenas, 100 a 110 euros a garrafa), do sofisticado Stone Terraces (250 caixas, 140 a 150 euros a garrafa) e do austero e musculado Dow`s. Na sua diversidade e riqueza, são vintages que reflectem o melhor do Douro. E o melhor do Douro continua a ser o vinho do Porto, tanto o Tawny velho da tradição duriense como o Vintage que os comerciantes ingleses inventaram.