Fugas - Vinhos

Paulo Ricca

Um novo rumo para o Vinho do Porto

Por Rui Falcão

As muito recentes edições luxuosas de Vinho de Porto acrescentaram uma nova dinâmica comercial, um reposicionamento de imagem, uma renovação do prestígio perdido, algo que o sector necessitava desesperadamente

Diz a sabedoria popular, com notável acerto, que as pessoas mais próximas são sempre as últimas a aperceber-se dos problemas. A vizinhança excessiva dá origem, por regra, a uma distância demasiado exígua para que se possam compreender os erros estratégicos, os equívocos e os desacertos de imagem. Esta é uma realidade da vida social, do bom senso, que poderia ser facilmente aproveitada para caracterizar a nossa relação institucional com o Vinho do Porto, uma ligação estreita e demasiado próxima... que muitas vezes nos abstrai dos reais problemas do sector.

É indiscutível que o Vinho do Porto é o grande embaixador internacional do vinho português, um dos grandes vinhos do mundo, um dos maiores e melhores vinhos que a humanidade alguma vez consagrou, um dos maiores orgulhos de Portugal. Devemos muito ao Vinho do Porto, em imagem, em reputação internacional, em qualidade, em história e em consistência. Portugal não estaria no mapa e nos radares vínicos do mundo não fora a existência do Vinho do Porto e, embora em menor grau, do Vinho da Madeira.

Mas o Vinho do Porto é um negócio historicamente madrasto, um compêndio de momentos altos e de tempos difíceis, de doces períodos de alegrias e de longos e agonizantes momentos de desespero, numa montanha-russa de emoções onde, infelizmente, abundam os momentos em que a força da gravidade parece querer jogar contra a locomotiva do Vinho do Porto. É certo que o mundo é feito de ciclos, mas o Vinho do Porto abusa das alternâncias entre os tempos de bonança e os sempre críticos períodos de tempestade.

Assistimos actualmente a uma dessas quadras de insegurança e desconfiança sobre o futuro, alimentando um desses períodos de descrença que aleatoriamente destroçam Gaia e o Douro. Para além da famigerada crise económica e financeira que teima em devastar Europa e Estados Unidos da América, os dois mercados mais relevantes para o Vinho do Porto, o sector debate-se ainda com uma miríade de grandes e pequenos problemas, qual deles o mais difícil de ultrapassar. Como corolário directo deste rol de problemas, a distribuição do benefício, e consequentemente a produção autorizada de Vinho do Porto, vê-se este ano obrigada a baixar consideravelmente, com os dramas económicos directos que o facto acarreta nas empresas, mas também nos grandes e pequenos viticultores da denominação, uma região que, convém não esquecê-lo, vive quase exclusivamente da monocultura da vinha. Um drama social que não se pode perder de vista.

O Vinho do Porto não está na moda nos mercados internacionais e isso sente-se nas vendas e nas expectativas comerciais. Ser um vinho doce e alcoólico num mundo que presentemente premeia refeições leves e vive obcecado com a contabilidade rigorosa de calorias ingeridas, é um contratempo. Oferecer um vinho que deverá ser bebido no final da refeição, quando todos os restantes vinhos do repasto já foram bebidos, no momento em que o paladar já se encontra cansado e os estômagos aconchegados, e quando o tempo, que é sempre um bem escasso, aconselha a partir, é um revés da sorte para o Vinho do Porto. Beber e brindar com um vinho que se deixou enredar na teia amarga de uma imagem envelhecida, longe das ambições e desejos da juventude, que o vêm como um vinho antiquado, é outro dos desafios do Vinho do Porto. Perceber um vinho com tantas regras e excepções, com tantas categorias e famílias, com tantos estilos e variações, é uma tarefa pela qual só os convertidos à causa se poderão interessar.

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