Diz a sabedoria popular, com notável acerto, que as pessoas mais próximas são sempre as últimas a aperceber-se dos problemas. A vizinhança excessiva dá origem, por regra, a uma distância demasiado exígua para que se possam compreender os erros estratégicos, os equívocos e os desacertos de imagem. Esta é uma realidade da vida social, do bom senso, que poderia ser facilmente aproveitada para caracterizar a nossa relação institucional com o Vinho do Porto, uma ligação estreita e demasiado próxima... que muitas vezes nos abstrai dos reais problemas do sector.
É indiscutível que o Vinho do Porto é o grande embaixador internacional do vinho português, um dos grandes vinhos do mundo, um dos maiores e melhores vinhos que a humanidade alguma vez consagrou, um dos maiores orgulhos de Portugal. Devemos muito ao Vinho do Porto, em imagem, em reputação internacional, em qualidade, em história e em consistência. Portugal não estaria no mapa e nos radares vínicos do mundo não fora a existência do Vinho do Porto e, embora em menor grau, do Vinho da Madeira.
Mas o Vinho do Porto é um negócio historicamente madrasto, um compêndio de momentos altos e de tempos difíceis, de doces períodos de alegrias e de longos e agonizantes momentos de desespero, numa montanha-russa de emoções onde, infelizmente, abundam os momentos em que a força da gravidade parece querer jogar contra a locomotiva do Vinho do Porto. É certo que o mundo é feito de ciclos, mas o Vinho do Porto abusa das alternâncias entre os tempos de bonança e os sempre críticos períodos de tempestade.
Assistimos actualmente a uma dessas quadras de insegurança e desconfiança sobre o futuro, alimentando um desses períodos de descrença que aleatoriamente destroçam Gaia e o Douro. Para além da famigerada crise económica e financeira que teima em devastar Europa e Estados Unidos da América, os dois mercados mais relevantes para o Vinho do Porto, o sector debate-se ainda com uma miríade de grandes e pequenos problemas, qual deles o mais difícil de ultrapassar. Como corolário directo deste rol de problemas, a distribuição do benefício, e consequentemente a produção autorizada de Vinho do Porto, vê-se este ano obrigada a baixar consideravelmente, com os dramas económicos directos que o facto acarreta nas empresas, mas também nos grandes e pequenos viticultores da denominação, uma região que, convém não esquecê-lo, vive quase exclusivamente da monocultura da vinha. Um drama social que não se pode perder de vista.
O Vinho do Porto não está na moda nos mercados internacionais e isso sente-se nas vendas e nas expectativas comerciais. Ser um vinho doce e alcoólico num mundo que presentemente premeia refeições leves e vive obcecado com a contabilidade rigorosa de calorias ingeridas, é um contratempo. Oferecer um vinho que deverá ser bebido no final da refeição, quando todos os restantes vinhos do repasto já foram bebidos, no momento em que o paladar já se encontra cansado e os estômagos aconchegados, e quando o tempo, que é sempre um bem escasso, aconselha a partir, é um revés da sorte para o Vinho do Porto. Beber e brindar com um vinho que se deixou enredar na teia amarga de uma imagem envelhecida, longe das ambições e desejos da juventude, que o vêm como um vinho antiquado, é outro dos desafios do Vinho do Porto. Perceber um vinho com tantas regras e excepções, com tantas categorias e famílias, com tantos estilos e variações, é uma tarefa pela qual só os convertidos à causa se poderão interessar.