Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

Microvinificações, passado e presente do Vinho do Porto

Por Rui Falcão

O vinho não é imutável nem pode ser considerado como um exercício estático, uma actividade cristalizada no tempo, uma prática que se quedou refém de regras rígidas ou da tradição, uma obrigação rígida que há que seguir com toda a diligência.

Como em todas as actividades que misturam ciência com intuição, o saber com a arte, é fundamental experimentar e ensaiar, é fundamental questionar sobre o passado, o presente e o futuro do vinho, sobre os seus fundamentos, sobre a razoabilidade das regras. É fundamental que se questionem e contestem os fundamentos de cada região e de cada estilo de vinho aí produzido, é fundamental que se discutam e debatam as opções tomadas no passado.

Se estes princípios filosóficos de dúvida e inquietação permanentes são essenciais para a continuidade e saúde de todos os países produtores de vinho, de todas as regiões, para todos os produtores, eles tornam-se ainda mais prementes nos grandes vinhos de referência, nos vinhos intemporais, nos clássicos que todos aprenderam a admirar e respeitar. Sem investigar e sem querer saber mais, descurando os ensaios e as experiências na vinha e na adega, as casas produtoras correm não só o risco de estacionar no tempo, de se deixar enredar nas velhas tradições sem as saber explicar, como de perder saber e conhecimento para poder continuar a evoluir e a apresentar melhores vinhos sem com isso querer diminuir ou revolucionar o passado.

O Vinho do Porto, referência insigne entre os grandes clássicos do mundo, um vinho com fama de terreno fértil para produtores e consumidores conservadores, é um dos históricos que, apesar dos muitos séculos de narrativa, ganharia em investigar mais, em pesquisar mais aprofundadamente sobre as diferentes castas do Douro, sobre os muitos detalhes na adega que o tornam mágico. Por isso foi especialmente gratificante e entusiasmante aproveitar a rara oportunidade proposta por uma casa clássica de provar alguns dos ensaios que tem vindo a efectuar com castas durienses, de fora da região… e até de outras paragens bem mais distantes.

Por opção do produtor, o nome da casa fica de fora nesta exposição, circunstância que há que respeitar e que acaba por adensar o mistério. As experiências que o produtor tem feito são especialmente interessantes e educativas, sobretudo na abordagem e experimentação com castas em vinhos extremes, desenhados com intuitos meramente didácticos e científicos, sem nunca pretenderem subverter o princípio sagrado do lote, talvez o princípio mais importante e identificador dos vinhos do Douro e do Porto que, esperemos, ninguém deseja perturbar.

Tive então oportunidade de experimentar muito recentemente onze vinhos do Porto, todos eles da colheita 2011 e todos desenhados na lógica subjacente ao estilo vintage. Todos os vinhos vinificados em extreme, com uma só casta, pretendendo isolar o que cada casta poderia acrescentar a um possível lote, intentando decompor o que cada casta poderia oferecer ao vinho final. Heresia das heresias, e aqui é que o ensaio académico ganhava asas e acrescentava pimenta, a escolha de castas incluiu tão arrojadas e aparentemente estapafúrdias como o Cabernet Sauvignon ou o Syrah, castas internacionais que, não por mera casualidade, são tradicionalmente empregues em vinhos fortificados produzidos por países imitadores do estilo Vinho do Porto, como a Austrália ou a África do Sul.

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