Como em todas as actividades que misturam ciência com intuição, o saber com a arte, é fundamental experimentar e ensaiar, é fundamental questionar sobre o passado, o presente e o futuro do vinho, sobre os seus fundamentos, sobre a razoabilidade das regras. É fundamental que se questionem e contestem os fundamentos de cada região e de cada estilo de vinho aí produzido, é fundamental que se discutam e debatam as opções tomadas no passado.
Se estes princípios filosóficos de dúvida e inquietação permanentes são essenciais para a continuidade e saúde de todos os países produtores de vinho, de todas as regiões, para todos os produtores, eles tornam-se ainda mais prementes nos grandes vinhos de referência, nos vinhos intemporais, nos clássicos que todos aprenderam a admirar e respeitar. Sem investigar e sem querer saber mais, descurando os ensaios e as experiências na vinha e na adega, as casas produtoras correm não só o risco de estacionar no tempo, de se deixar enredar nas velhas tradições sem as saber explicar, como de perder saber e conhecimento para poder continuar a evoluir e a apresentar melhores vinhos sem com isso querer diminuir ou revolucionar o passado.
O Vinho do Porto, referência insigne entre os grandes clássicos do mundo, um vinho com fama de terreno fértil para produtores e consumidores conservadores, é um dos históricos que, apesar dos muitos séculos de narrativa, ganharia em investigar mais, em pesquisar mais aprofundadamente sobre as diferentes castas do Douro, sobre os muitos detalhes na adega que o tornam mágico. Por isso foi especialmente gratificante e entusiasmante aproveitar a rara oportunidade proposta por uma casa clássica de provar alguns dos ensaios que tem vindo a efectuar com castas durienses, de fora da região… e até de outras paragens bem mais distantes.
Por opção do produtor, o nome da casa fica de fora nesta exposição, circunstância que há que respeitar e que acaba por adensar o mistério. As experiências que o produtor tem feito são especialmente interessantes e educativas, sobretudo na abordagem e experimentação com castas em vinhos extremes, desenhados com intuitos meramente didácticos e científicos, sem nunca pretenderem subverter o princípio sagrado do lote, talvez o princípio mais importante e identificador dos vinhos do Douro e do Porto que, esperemos, ninguém deseja perturbar.
Tive então oportunidade de experimentar muito recentemente onze vinhos do Porto, todos eles da colheita 2011 e todos desenhados na lógica subjacente ao estilo vintage. Todos os vinhos vinificados em extreme, com uma só casta, pretendendo isolar o que cada casta poderia acrescentar a um possível lote, intentando decompor o que cada casta poderia oferecer ao vinho final. Heresia das heresias, e aqui é que o ensaio académico ganhava asas e acrescentava pimenta, a escolha de castas incluiu tão arrojadas e aparentemente estapafúrdias como o Cabernet Sauvignon ou o Syrah, castas internacionais que, não por mera casualidade, são tradicionalmente empregues em vinhos fortificados produzidos por países imitadores do estilo Vinho do Porto, como a Austrália ou a África do Sul.