Fugas - Vinhos

O vinho do Porto já tem um dicionário ilustrado mas só existe no Brasil

Por Pedro Garcias

Em 2005, o brasileiro Carlos Cabral e o português Manuel Poças Pintão lançaram-se na tarefa de escrever um dicionário do vinho do Porto, um livro que resumisse e sistematizasse a admirável história do mais famoso vinho português. Seis anos depois, o dicionário foi publicado no Brasil, com o apoio do Governo Federal. Em Portugal, nenhuma editora se mostrou interessada.

O vinho do Porto possui uma espessura histórica e cultural tão grande e arrebatadora que o tornam objecto permanente de estudo e de divulgação. Poucos vinhos no mundo, ou talvez nenhum, têm despertado tanto interesse junto de prosadores, poetas, historiadores, ensaístas, economistas, pintores, jornalistas, críticos e muita outra gente da escrita.

Há milhares de livros publicados sobre o assunto e, no entanto, continuava a faltar um dicionário que pudesse sistematizar toda a informação relevante relacionada com o intrincado e fascinante universo em que se move o mais famoso vinho português desde há quase 400 anos.

Continuava: em 2011, foi lançado o primeiro dicionário ilustrado do Vinho do Porto, obra de duas relevantíssimas personalidades do sector, o brasileiro Carlos Cabral, autor de dois livros sobre o vinho do Porto, de que é o maior embaixador no Brasil há mais de três décadas; e o português Manuel Poças Pintão, uma das mais estimáveis figuras do vinho do Porto, responsável comercial na empresa Poças Júnior durante 51 anos. O livro foi editado apenas no Brasil, pela editora Cultura, e contou com o patrocínio do Governo Federal e de empresas como o Pão de Açúcar.

Em Portugal, onde a sua publicação seria obrigatória, nenhuma editora se mostrou interessada, por falta de patrocinadores, e nem sequer uma edição institucional foi feita. Quem quiser ter acesso ao dicionário, ou o manda vir do Brasil ou passa pelo Porto Wine Fest, que irá decorrer na zona ribeirinha de Gaia e onde, no próximo dia 5 de Setembro, a Poças Júnior vai apresentar publicamente o livro e colocar alguns exemplares à venda. A apresentação estará a cargo do historiador Gaspar Martins Pereira.

A ideia de fazer um dicionário de vinho do Porto partiu de Carlos Cabral, ele que possui uma das maiores colecções de livros sobre o tema. Em 2005, o brasileiro lançou o desafio a Manuel Poças Pintão, que tinha acabado de se reformar da Poças Júnior. Poças Pintão ainda hesitou, mas acabou por aceitar o repto e passar os seis anos seguintes embrenhado em bibliotecas e arquivos. Embora separados pelo Atlântico — Carlos Cabral vive em São Paulo e Poças Pintão no Porto —, os dois foram dividindo tarefas e conciliando a escrita do livro. Ao todo, juntaram mais de 3 mil verbetes e 600 imagens.

Um dicionário, seja ele do que for, é um livro sempre inacabado. Versando sobre o vinho do Porto, ainda o é mais. “O vinho do Porto é um assunto muito sério e vivo”, sublinha Manuel Poças Pintão. Há sempre empresas a mudar de mãos, mercados que perdem fulgor e outros que ganham protagonismo, estatísticas em constante mudança e, acima de tudo, muitas histórias que vão sendo resgatadas do esquecimento.

A construção do Douro vinhateiro e do vinho que ganhou nome no Porto é uma obra colossal, cujos “verdadeiros heróis” não têm nome. São “os Lusíadas sem Camões”, dizia Guerra Junqueiro. “A grande lição deste trabalho foi perceber melhor a riqueza fantástica de um vinho que se deve sobretudo a gente anónima”, realça Poças Pintão. É também desses heróis anónimos que trata este dicionário, embora a sua principal função seja resumir a história do vinho do Porto e abrir pistas para novas pesquisas e novos livros.

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