Há muito que o mito dos vinhos alentejanos confinados à doçura, à macieza e à fruta se desfez com a prova dos factos. Mas se houver alguém que duvide dessa mudança que consolidou a imagem da região nas gamas dos tintos clássicos nacionais, terá de experimentar as criações da Herdade das Servas.
Com uma gama dividida em três marcas (Herdade das Servas, Monte das Servas e Vinha das Servas) que vai de preços mais acessíveis até um tinto produzido a partir de vinhas velhas que custa 25,50 euros, a empresa da família Serrano Mira merece a atenção dos que gostam de vinhos sérios, sisudos até, com garra e personalidade própria.
Os seus brancos são volumosos e bem balanceados nas suas componentes de acidez e fruta e os tintos recusam facilidades e sustentam-se num carácter austero, com a fruta a não comprometer uma certa secura e um perfil de taninos e de utilização da barrica que lhes confere um enorme potencial para a mesa e para a cave.
Experimente-se o Reserva de 2009. Um tinto feito com dois lotes, Syrah (70%) e Touriga Nacional, vinificados em separado (“na Herdade das Servas todas as vinificações são feitas casta a casta”, diz Luís Serrano Mira) e sujeitos a um estágio de 14 meses em barrica. Um tinto com aromas de fruta madura, madeira bem integrada, notas de cassis e especiaria, belíssimo na boca, com taninos vigorosos mas bem integrados e um final de boca longo e intenso. Um vinho muito interessante (custa 16,60 euros).
O topo de gama da casa, o Vinhas Velhas da colheita de 2009, conserva esta personalidade, mas a sua estrutura e o volume de álcool (15%) recomendam mais alguns anos de espera. Feito com um lote no qual domina o Alicante Bouschet (50%), que se combina com Touriga Nacional e Aragonez, este tinto apresenta taninos ainda secos e sugestões vegetais no aroma que fazem lembrar uma certa escola enológica de Bordéus. Se no Reserva se pode começar já a notar as subtilezas de um tinto perto do acabamento, o Vinhas Velhas é actualmente um vinho mais controverso — apesar de Paulo Portas o ter apresentado ao ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão como “o melhor vinho do mundo”. O ambiente redutor da garrafa talvez consiga domar este puro-sangue que ainda está muito fogoso e duro (custa 25,50 euros).
Além dos seus clássicos, a família Serrano Mira acrescentou este ano ao seu portefólio mais dois vinhos “experimentais”: um Alfrocheiro e um Petit Verdot. Há muito que a Herdade das Servas se dedica a monovarietais — vejam-se os bons exemplos com a Touriga Nacional em 2008. Desta vez a aposta passou por uma casta que brilha mais a Norte, no Dão, e uma casta francesa que continua a ganhar adeptos em Portugal pela sua capacidade de produzir tintos vigorosos e exuberantes no aroma.
O Alfrocheiro de 2010 (cerca de 3000 garrafas a 16,60 euros) é, entre todas as propostas da Herdade das Servas, sem dúvida a mais graciosa, leve e elegante, sem abdicar, contudo, de uma estrutura poderosa e afirmativa.
O Petit Verdot, também da colheita de 2010, é um tinto com um perfil original e muito interessante, com nariz de arbustos, notas de menta e um excelente volume de boca. Como o Alfrocheiro, custa 16,60.