Fugas - Vinhos

Moscatel, o eterno esquecido

Por Rui Falcão

O Moscatel continua a ser o grande esquecido da lista espantosamente rica de vinhos generosos portugueses, uma espécie de parente pobre face ao brilho internacional tanto do Vinho do Porto como do Vinho da Madeira.

O generoso incompreendido e desrespeitado, tanto pelos portugueses como pelo mercado internacional, o vinho que termina quase invariavelmente maltratado pela crítica, pelos consumidores… e pelos produtores. Que razões conduziram a tamanha discriminação, que motivos poderão justificar um divórcio tão profundo?

Infelizmente para nós, mas de realidade indisputável, a primeira razão para a falta de reconhecimento internacional é a sua raiz profundamente portuguesa, a falta de ligações internacionais do nosso Moscatel. Se o Vinho do Porto e Madeira beneficiam da preponderância da influência inglesa, de uma garantia de rigor e agressividade comercial, o Moscatel é uma criação portuguesa e de capitais portugueses, de famílias portuguesas e destinado aos mercados de língua portuguesa. Uma independência que foi e é fundamental para a quase ausência de divulgação internacional do Moscatel português.

Uma realidade pouco agradável mas que é palpável na ausência geral de divulgação e publicação internacional nas principais revistas do sector ou entre os grandes sommeliers do mundo. Não é coincidência que os vinhos de influência comercial inglesa, vinhos como o Porto, Madeira, Jerez, Bordéus ou os vinhos alemães de Rheingau, sejam os vinhos mais reconhecidos e discutidos internacionalmente. Os ingleses sempre foram os principais divulgadores e “criadores” dos vinhos de grande reputação internacional. Pelo contrário, o Moscatel sempre foi um vinho mais recatado, resumindo-se a uma divulgação caseira que raramente ultrapassou as fronteiras de Portugal ou dos seus antigos territórios ultramarinos.

Por outro lado, e ao contrário do Vinho do Porto e Madeira, que são criações absolutamente originais e de reprodução impossível, o Moscatel é um vinho de génese profundamente mediterrânica. A casta é considerada como uma das castas europeias mais antigas, uma das primeiras a ser identificada, reconhecida, isolada e propagada ao longo da bacia do Mediterrâneo. E por isso hoje são muitas as regiões e países que a reclamam como casta nacional. A diversidade de estilos não tem paralelo com nenhuma outra variedade. Uma suave anarquia que leva a que existam muitos vinhos Moscatel no mundo, muita diversidade de estilos e, infelizmente, também muitos exemplares pouco recomendáveis pelo mundo fora que ajudam a desautorizar o nome da casta.

Convém notar que, para além de Portugal, a tradição do vinho Moscatel estende-se por países tão diversos como Espanha, Itália, Grécia, Chipre, mas também África do Sul, Austrália, Brasil, Califórnia e muitos outros países. Uma multiplicação de estilos que varia entre o vinho simplesmente doce, vinhos de colheita tardia, podridão nobre, fortificado ou mesmo como vinho de palha, vindimado com as uvas em passa. Como a anarquia raramente é sinónimo de prestígio ou satisfação, ao Moscatel falta definição de estilo.

Para cúmulo, ainda temos a doçura extrema do Moscatel, uma doçura que pode ser brilhante quando acompanhada por uma acidez incisiva, mas penosa se despida desta tensão da acidez que o livre da indolência do açúcar, mel e laranja. A casta é caprichosa e não é fácil entender as suas muitas manhas, o que leva a que do Moscatel possamos esperar o melhor mas, desastrosamente, também o pior. Infelizmente, a maioria dos vinhos Moscatel portugueses são de qualidade mediana e enfadonhos pela falta de frescura e pelo peso excessivo dos torrados, do mel e da laranja cristalizada.

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