Em Portugal, o generoso Moscatel pode nascer em duas grandes regiões, a Península de Setúbal e o Douro, dando origem, respectivamente, ao Moscatel de Setúbal e ao Moscatel do Douro. Porém, enquanto em Setúbal o Moscatel é o centro das atenções, o vinho acarinhado a referência maior, no Douro o Moscatel não tem pretensões de fugir ao epíteto de parente pobre da demarcação face ao todo poderoso Vinho do Porto.
Se o Moscatel do Douro só muito raramente se mostra verdadeiramente empolgante, o Moscatel de Setúbal consegue com alguma assiduidade chegar ao arrebatamento vínico, mesmo se são poucos os produtores que nos aproximam do sagrado. Essa é outra das grandes dificuldades para afirmação do Moscatel, a míngua de produtores e vinhos de referência. Quase poderíamos referir que o Moscatel de excelência vive sustentado em três produtores, número demasiado escasso para sustentar um estilo e uma região. São eles a José Maria da Fonseca, Bacalhôa Vinhos e casa Horácio Simões, intérpretes de excelência do vinho Moscatel em Portugal e no mundo.
Porque é que os restantes produtores de Setúbal se quedam longe da inconfundível nobreza que o Moscatel pode proporcionar? Por falta de tempo no activo, por falta de motivação, por alguma incompreensão pelo estilo e por facilitismo. Porque a senha de identidade do Moscatel de Setúbal, aquilo que o diferencia dos restantes Moscatel do mundo, a sua originalidade, é precisamente a acidez elevada, a frescura, a irrequietude do ferrão da acidez que o tonifica e revigora, que o prolonga na boca e que lhe permite viver séculos sem sinais de desfalecimento.
Os grandes Moscatel de Setúbal são vinhos incomparáveis e insubstituíveis, vinhos de vida eterna e de uma complexidade sublime, vinhos que ombreiam com o que de melhor se faz no mundo. Sem qualquer dose de patriotismo bacoco, sem favores ou excessos de linguagem, são vinhos que estão no lote muito restrito dos grandes vinhos do mundo.