Fugas - Vinhos

  • Adriano Miranda
  • Adriano Miranda
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  • Frei João Branco 1974
    Frei João Branco 1974

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A apoteose dos vinhos velhos, segundo a Caves São João

Em Portugal haverá certamente enófilos interessados em descobrir novas sensações com vinhos de enorme qualidade e com um perfil de aromas e de paladares muito distinto da sedosidade e doçura de muitos vinhos contemporâneos. E no estrangeiro mais ainda. Porque é difícil poder experimentar um vinho tinto ou branco com 25 anos de vida ou mais a um custo inferior a 10 euros.

Fundada em 1920 pelos irmãos José, Manuel e Albano Costa, as Caves São João dedicaram os primeiros anos de vida a comercializar licores e vinhos finos do Douro (Porto, na designação tradicional). As novas regras da denominação da origem impostas pela legislação do Estado Novo levaram a empresa a apostar na produção de espumante (é histórica a aprendizagem que a empresa, e a região fizeram com o enólogo francês Gaston Mainousson, nos anos de 1930), depois nos vinhos da Bairrada e, mais tarde, do Dão. O legado destas apostas é extraordinário. Alguns Caves São João e seguramente alguns Porta dos Cavaleiros dos anos 60 e 70 têm lugar próprio na galeria dos melhores vinhos tintos jamais produzidos em Portugal.

Quem provar o impetuoso e vibrante Quinta do Poço do Lobo 1995 o admirável e delicado Porta dos Cavaleiros 1975 ou ainda o emocionante Caves São Reserva Particular Tinto 1959 tem dificuldades em entender o percurso final de Luiz Costa à frente desta histórica casa da Bairrada. Todos estes vinhos têm em comum o facto de incorporarem uma importante percentagem de Baga, a casta da qual Luiz Costa se foi divorciando ao longo da vida e que lhe alimentou muitas querelas epistolares com produtores bairradinos influentes, como Luís Pato, por exemplo, um convicto "Baga friend".

Os amores de Luiz Costa eram mais francófonos. No entanto, não havia ninguém mais bairradino do que ele. Este agrónomo com gosto pelo colecionismo foi pioneiro no uso da designação Bairrada nos seus vinhos, antecipando a demarcação da região, de que foi um dos principais impulsionadores. E esteve também na origem da criação da Confraria dos Enófilos da Bairrada. Mais: em boa verdade, Luiz Costa nunca deixou de usar Baga na produção dos melhores tintos das Caves São João ao longo dos mais de 50 anos em que liderou a empresa, de que era accionista. Mas, como sublinha o director da Revista de Vinhos, Luís Lopes - que também manteve com ele uma amigável discordância em relação àquela casta -, "fazia-o apenas porque era tradição da casa". "Ele não gostava mesmo de Baga. Achava que era uma casta de terceira e que só fazia um bom vinho de 10 em 10 anos", recorda.

Luiz Costa morreu fiel a essa ideia. Conhecedor de Bordéus como poucos, era um apreciador de Cabernet Sauvignon e Merlot. Gostava também muito de Pinot Noir e Chardonnay, as suas duas castas preferidas para o espumante e que plantou na sua vinha pessoal, em São João da Azenha. O magnífico espumante que as Caves São João lançaram recentemente para o homenagear, o Luiz Costa Bruto Natural 2010, só podia ser, pois, uma combinação destas duas castas.

Na Quinta do Poço do Lobo, adquirida no princípio dos anos 70 do século passado, Luiz Costa plantou também Cabernet Sauvignon, usando porta-enxertos comprados pelo próprio em Bordéus. Na sua opinião, que é partilhada também por produtores importantes como Carlos Campolargo ou Carlos Dias (Colinas de São Lourenço), por exemplo, a Bairrada só tinha viabilidade se diminuísse a sua dependência da Baga e apostasse mais nas melhores castas francesas. É possível que o futuro lhe venha a dar razão. Alguns dos vinhos mais recentes das Caves São João já incorporam Cabernet Sauvignon e uma ou outra casta francesa e os resultados são muito bons. Porém, tirando os espumantes, nunca até hoje as Caves São João produziram vinhos tintos de castas francesas tão bons como os tintos Frei João, Porta dos Cavaleiros e Caves São João Garrafeira de antigamente, feitos com Baga e outras castas nacionais. A prova que a empresa realizou no passado dia 29 (ver texto ao lado), para homenagear Luiz Costa, foi eloquente e, ao mesmo tempo, pardoxal.

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