Fugas - Vinhos

  • Adriano Miranda
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  • Frei João Branco 1974
    Frei João Branco 1974

A apoteose dos vinhos velhos, segundo a Caves São João

Por Manuel Carvalho

Dona e senhora de um incalculável espólio de vinhos da Bairrada e do Dão, a Caves São João vai colocar no mercado colheitas anteriores a 2000. São parte de um stock de um milhão de garrafas, a preços que variam entre os cinco e os 200 euros. Uma festa para os que acham que o tempo leva os vinhos para outra dimensão sensorial.

Os túneis húmidos e escuros das Caves São João guardam alguns dos vinhos tintos e brancos mais antigos do país. São raridades que em alguns casos têm mais de meio século de vida, mas não é a idade que mais impressiona neste arquivo da memória do Dão e da Bairrada: é a qualidade e a quantidade.

Nenhuma empresa de vinhos tintos portugueses pode gabar-se de ter guardado mais de um milhão de garrafas de vinho com datas anteriores a 2000; e, mais difícil ainda, poucas podem chegar a uma prova e apresentar vinhos dos anos 50 e 60 do século passado com a raça e a profundidade dos vinhos com a chancela desta casa familiar baseada no concelho de Anadia.

Para todos os que gostam de vinhos com idade, este Inverno é, por isso, auspicioso: os formidáveis vinhos velhos das Caves São João vão ser postos à venda. São muitos, muito bons e, regra geral, a preços mais do que sensatos.

Na perspectiva actual, custa a perceber como foi possível uma empresa dar-se ao luxo de acumular durante décadas tanto vinho e tão bom. Mas, olhando para a natureza familiar da Caves São João e para o perfil dos homens do vinho de outras eras, esse espanto acaba por ser mitigado. Guardar vinho com aptidão natural para evoluir ao longo de muitos anos, como são os casos dos brancos e tintos da Bairrada e do Dão, era apenas uma forma de diferir proventos no tempo, de esperar pela remuneração da qualidade que o estágio acrescenta a vinhos que, na sua infância, eram profundamente vegetais, com taninos ásperos e teores de acidez drásticos.

A ansiedade de muitos produtores dos nossos dias, sempre ávidos de expulsar os seus vinhos da adega e delegar nos consumidores os custos da maturação, é uma novidade que as várias gerações da família Costa teriam dificuldades em perceber. Até porque, pelo menos até os anos 90, a Caves S. João nunca teve muitas razões para se preocupar com desequilíbrios financeiros que, em muitos casos, pressionam os produtores a vender as suas colheitas o mais cedo que puderem.

Nas Caves São João, os lotes de várias vindimas puderam por isso ficar ali, quase esquecidas, até que um dia pudessem ver a luz do dia. Em casos como as primeiras colheitas de tinto da Quinta do Poço do Lobo, adquirida em 1972, ficaram 20 anos à espera de mostrarem faces mais aprimoradas antes de serem colocadas no mercado. Mas neste processo de acumulação de colheitas atrás de colheitas houve também circunstâncias involuntárias.

Nos anos de 1990, quando o sector do vinho caminhava a passos rápidos para a modernidade, as marcas fortes da Caves São João, como a Frei João ou a Porta dos Cavaleiros, perderam protagonismo e caíram nas vendas, uma circunstância agravada com más opções de enologia. Não admira por isso que tenham sobrado dezenas de milhar de garrafas deste período difícil para a empresa.

Se agora a administração da Caves São João decide abrir as portas das suas galerias de armazenamento aos consumidores é porque há a intenção de “dar um novo impulso a estes stocks”, ou seja, de os renovar. Mas também porque “há uma apetência nova no mercado por estes vinhos”, na expectativa do enólogo da casa, José Carvalheira.

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