Durante mais de século e meio o Vin de Constance transformou-se na coqueluche das casas reais europeias e das famílias mais abastadas da Europa, apresentando-se como a epítome dos vinhos doces. E de repente, no virar do século XIX, um mar de desgraças sucessivas acabou por liquidar um dos maiores vinhos do mundo. As vagas consecutivas de doenças fúngicas como o Oídio e mais tarde o Míldio intervaladas pelo advento da Filoxera, destruíram as vinhas e a economia da região que não mostrou capacidade para resistir a tamanha concentração de desgraças conjunturais.
E assim num ápice o mundo perdeu um dos seus vinhos mais prestigiados de sempre, um dos mitos vínicos inabaláveis que ainda hoje perdura em algumas garrafas antigas que sobreviveram e continuam a sobreviver e que pontualmente reaparecem… para logo serem avidamente disputadas em leilões internacionais. Até que…
Até que alguém decidiu resgatar este vinho do esquecimento. Quase um século depois da última colheita conhecida, a propriedade Klein Constantia, uma pequena parcela da propriedade original onde o Vin de Constance nasceu, decidiu reeditar este vinho perdido na letargia do passado. Um projecto sério e de capitais sólidos que não pretendia recuperar o investimento em tempo útil, dando tempo ao tempo para recuperar um dos vinhos mais famosos do mundo.
A primeira e maior dificuldade foi tentar entender como o vinho era feito, tentar ajuizar sobre as técnicas e cuidados do passado. A maioria dos estudiosos assentia que os vinhos não seriam fortificados mas sim simplesmente vinhos doces, de colheita tardia, quase garantidamente sem a presença de Botrytis, fungo que só chegou a esta parte da África do Sul no final do século XIX. Sabia-se que o Moscatel dominaria o lote, mas faltava determinar com precisão qual a variedade de Moscatel e quais as restantes castas minoritárias.
O trabalho foi longo e acabou por revelar a predominância do Moscatel de Frontignan, de bagos muito pequenos, a mesma variedade que é plantada na região de Favaios, no Douro. A acompanhar a casta tónica plantou-se um conjunto de castas menores como o Frontignac, Moscatel de Alexandria e Pontac (também conhecida como Teinturier du Cher), casta tinta tintureira que curiosamente é um dos progenitores da nossa conhecida e amada Alicante Bouschet. Depois de muitos anos de estudo e investigação aos registos do passado chegou-se a um modelo de enologia que tem sido seguido com afinco desde 1986, o ano em que as novas vinhas foram vindimadas pela primeira vez no segundo capítulo de vida do Constantia.
Uma pequena parte das vinhas são vindimadas muito cedo permitindo a construção de um vinho base pouco alcoólico e empanturrado de acidez que irá ajudar a refrescar as restantes uvas vindimadas muito tarde, já em estado de passa, colhidas em sucessivas passagens pela vinha que em muitas ocasiões não rendem mais que um ou dois quilos por dia. As uvas são prensadas e repousam em contacto com a pele para aproveitar os taninos que são parte fundamental na construção do Vin de Constance, vinho que permanece em lenta fermentação durante vários meses afogado num volume de açúcar estupidamente elevado que o lote posterior com o vinho base acídulo ajuda a amenizar e a refrescar.