A agricultura orgânica, que pretende fugir aos produtos químicos de síntese mais agressivos respeitando a natureza e os seus ciclos, continua a ser encarada como um mundo exótico povoado por figuras estranhas e excêntricas.
Mas se a agricultura orgânica já é encarada desta forma mais ou menos depreciativa, a sua alternativa mais holística, a biodinâmica, é encarada com franco desdém e muita incompreensão à mistura com uma reacção de gozo e acusações de ridículo. Não é fácil aceitar uma agricultura que colide frontalmente com a racionalidade que sustenta o pensamento científico ocidental. Não é fácil avaliar os fundamentos da biodinâmica e da corrente filosófica e espiritual que sustenta a sua prática, a antroposofia, quando as suas ideias são tão transgressoras, simultaneamente tão clássicas e tão inovadoras. Não é fácil adoptar ou aceitar uma corrente filosófica que por vezes se aproxima mais do esotérico e do misticismo que da lógica a que estamos acostumados.
Um modelo agrícola que professa a auto-suficiência e a sustentabilidade ecológica acrescentando ainda considerações éticas e espirituais. A atenção ao detalhe, e sobretudo o respeito pelos ritmos e ciclos da natureza, a atitude interior, são condições fundamentais para as práticas agrícolas orgânicas. Poderá parecer estranho ou até exótico para quem tem uma vivência essencialmente urbana mas o respeito pela natureza, pelos solos e pela água, pela preservação da diversidade biológica, pela sustentabilidade do planeta é uma obrigação moral e patrimonial de quem detém a terra e dela vive.
Apesar de a maioria dos produtores e viticultores ainda se sustentarem em práticas agrícolas tradicionais, umas mais interventivas ou mais danosas que outras, percebe-se uma adesão cada vez mais interessada pelas práticas de uma agricultura mais sustentável com um recurso cada vez menor a produtos de síntese. A percepção social e ética da necessidade imperiosa da conservação, de preservar o planeta para as gerações futuras aumenta, tal como aumenta a percepção mais económica e material que a agricultura orgânica produz uvas de melhor qualidade que proporcionam por sua vez vinhos mais sérios e genuínos.
Apesar dos inegáveis progressos na aceitação das práticas agrícolas naturais, tanto na mudança de mentalidades como na normalização das práticas, continuam infelizmente a surgir casos de alienação da realidade, ignorância ou simples escuridão intelectual. O caso mais recente de incompreensão perante os fundamentos da agricultura orgânica ocorreu em França e levou mesmo à prisão e julgamento de um viticultor biológico da região francesa de Côte d’Or, de seu nome Emmanuel Giboulot. Tudo porque o mesmo se recusou a aplicar um pesticida “recomendado” pelo poder autárquico local para combater uma das pragas da vinha mais recentes e assustadoras para os viticultores europeus, a flavescência dourada.
Sejamos honestos, a flavescência dourada é uma praga ameaçadora e problemática, uma doença que afecta a vinha de modo especial, uma doença importada dos Estados Unidos da América provocada por um fitoplasma que pode matar uma videira, ou uma vinha inteira, num curtíssimo espaço de tempo que por vezes chega a ser de menos de três anos. Um problema real e um perigo que urge tratar e que não pode nem deve ser escamoteado. A grave doença é propagada por cicadelídeos, pequenos insectos de origem americana que hoje já se encontram disseminados pela Europa. Se a maleita começou em França, hoje os seus efeitos já se estendem a grande parte da Europa, Portugal incluído.