Fugas - Vinhos

Opinião: Guardar vinho em casa?

Por Rui Falcão

"A velha ladainha bem portuguesa que o vinho ganha com a idade é na maioria das ocasiões uma falácia. São raros os vinhos que envelhecem bem, sejam eles portugueses ou de qualquer outro país ou região produtora." A opinião e dicas de Rui Falcão.

Houve um breve momento em Portugal que nos comportámos como se não houvesse amanhã, um período momentâneo de tempo durante o qual nos julgámos ricos, um curto momento de euforia colectiva que toldou a habitual racionalidade portuguesa e que moldou e desencadeou muito do que hoje amargamos com angústia.

Gastámos o que tínhamos e o que não tínhamos, investimos em trivialidades e desperdiçámos dinheiro barato como não sabíamos que pudesse existir saciando-nos até à exaustão depois de anos de míngua colectiva.

O mundo do vinho viveu uma epopeia em tudo semelhante. Os vinhos vendiam-se ainda antes de estarem engarrafados, mesmo quando propostos a preços indecorosos, as garrafas eram rateadas entre uma horda de consumidores desejosos de experimentar as últimas novidades, os vinhos mais badalados, os vinhos mais aclamados por amigos, donos de garrafeiras e crítica.

Os vinhos eram vendidos às caixas, de preferência com seis exemplares, e a ideia de construir uma garrafeira, uma colecção de vinhos, passava implicitamente pela cabeça da maioria. O ritmo de compra era superior à velocidade de consumo e as garrafas acabavam por se acumular em casa, na garrafeira, na arrecadação, garagem ou outro local improvisado para as receber. Muitos ainda hoje vivem da gestão desse pecúlio que acumularam no espaço de três ou quatro anos.

A realidade actual não poderia ser mais distinta. As empresas deixaram de comprar vinho em caixas para oferecer aos seus clientes preferenciais, os particulares deixaram de comprar de vez ou abrandaram o ritmo de compra, as caixas, quando existem, diminuíram de tamanho e passaram a incluir somente três garrafas. O mercado adaptou-se às circunstâncias actuais e ganhou um misto de racionalidade e de aversão ao risco.

Hoje compra-se menos mas isso não significa que o vinho passou a estar parado nas prateleiras ou que o mercado está esgotado. E a vontade de guardar algumas garrafas especiais não desapareceu como que por um passe de magia. Os volumes poderão ser menores, os vinhos poderão ter preços mais realistas e a escolha mais cuidada mas o desejo de constituir uma garrafeira, mesmo que mais modesta no número dos vinhos guardados, é intrínseca e indissociável ao apreciador de vinho. E num país de vinhos fortificados, Portos Vintage ou Madeiras Frasqueira, esse desejo e necessidade de guarda são mais prementes.

Guardar vinho é, porém, uma empreitada mais complicada que o simples acto de compra e acumulação. Quem guarda vinho por períodos superiores a um ano de prateleira tem de perguntar a si próprio se dispõe das condições mínimas para manter em condições os vinhos que acumulou. Convém nunca perder de vista que o vinho é um produto alimentar e que como qualquer outro alimento é relativamente frágil e perecível, necessitando de condições de conservação que reúnam um conjunto mínimo de condições.

A velha ladainha bem portuguesa que o vinho ganha com a idade é na maioria das ocasiões uma falácia. São raros os vinhos que envelhecem bem, sejam eles portugueses ou de qualquer outro país ou região produtora. A maioria dos vinhos foi pensada para um consumo relativamente curto no tempo, algures entre os primeiros três a cinco anos de vida Pior, são poucas, muito poucas, as casas de habitação que oferecem condições, mesmo que sofríveis, para a conservação do vinho, sobretudo se vive num prédio como a maioria da população portuguesa. E não caia na tentação de pensar que a sua garagem subterrânea ou aquela arrecadação interior reúnem todas as condições naturais para a conservação do vinho. Apesar da boa vontade e optimismo que todos manifestamos em relação ao seu apartamento, são raros os casos de sucesso.

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