Fugas - Vinhos

Paulo Pimenta

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Portugal, uma pátria para os vinhos de boutique

As castas são os ingredientes fundamentais do vinho. É a sua natureza que dá a um tinto firmeza, consistência e longevidade, ou a um branco acidez, tensão e frescura. Poucos países têm uma tão grande variedade e riqueza de castas como Portugal. Enquanto o padrão de uma vinha em França ou na Austrália se expõe com três ou quatro castas, nas vinhas velhas do Douro podem ter 100 ou 200. Um projecto de investigação liderado por agrónomos, geneticistas e biólogos, o Porvid, estuda actualmente mais de 250 castas. Algumas são do conhecimento dos apreciadores mais sofisticados, de Nova Iorque ou de Londres, como a Alvarinho (que Portugal partilha com a vizinha Galiza, no Norte da Espanha), a Verdelho ou a Touriga Nacional, que se encontram aliás plantadas em muitas outras regiões do mundo. Mas, no mundo rural do interior podem-se encontrar espécies mais raras, mais exóticas e com nomes que denunciam a velha paixão dos portugueses pelas videiras. Dedo de Dama, por exemplo. Ou Amor-não-me-deixes.

Esse activo é, porém, apenas um ingrediente, por muito importante que seja. Para começar, para um mercado mundial habituado a escolher vinhos por serem provenientes de Syrah ou Cabernet Sauvignon, o facto de não conhecerem as castas portuguesas é muitas vezes visto como um obstáculo. Mais, "Portugal não é um país de vinhos de casta, é um país no qual o que conta é o blend (mistura)", diz João Pires, que não recusa a utilização pontual de variedades estrangeiras nos vinhos portugueses – "desde que sejam bem feitos", avisa. Depois, há quem duvide da dedicação de muitas empresas em fazerem vinhos de acordo com as características das suas vinhas e das suas regiões, cedendo em muitos casos à padronização imposta por Robert Parker (e muito apoiada na produção do Novo Mundo) que reclama vinhos extraídos, alcoólicos, doces e com marcas indeléveis da madeira. "Em Portugal ainda se faz muito vinho desse. O Alentejo já corrigiu essa tendência, mas o Douro nem tanto", observa Carlos Campolargo, um produtor bairradino.

Apesar de todos esses riscos, tudo indica que, lenta mas paulatinamente, os vinhos portugueses estão numa fase sólida de expansão internacional e nesse jogo todos parecem ter lugar: as empresas que produzem com os olhos postos no gosto internacional ou companhias como a Esporão que têm como preocupação "fazer vinhos em que as nossas diferenças regionais sejam acentuadas e assumidas", diz João Roquette, administrador da Esporão. A Esporão exportava 26% da sua produção em 2007 e no ano passado essa fasquia aumentou para os 62%; no seu todo, o sector do vinho português aumentou na última década as suas vendas internacionais em 85%, bastante acima do crescimento do mercado mundial no mesmo período (66%). Ainda assim, convém relativizar o sucesso. A Nova Zelândia não existia como produtor há 20 anos e hoje, por força dos seus Sauvignon Blanc frutados e volumosos, já exporta mais do que Portugal.

O problema "crónico" da marca

O problema dos produtores portugueses está na necessidade imperiosa de ter tempo para explorar no estrangeiro a falta de oportunidades que continuam a faltar no ainda apático mercado nacional, onde a maioria esmagadora dos vinhos se vende a menos de 1.50 euros. Portugal já coloca no exterior metade do que produz, mas mesmo assim as queixas sobre as dificuldades em ganhar quota lá fora repetem-se. "Não temos a notoriedade que merecemos", diz João Roquette, que acrescenta: "Temos um problema crónico com a marca Portugal". Então, sabendo-se que, como diz José Teles, "não somos capazes de competir pelo preço", como pode o vinho português procurar lá fora o músculo que perdeu no mercado interno?

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