Fugas - Vinhos

  • Adriano Miranda

Os vinhos bons para conversar e os que só se mostram com comida

Por Manuel Carvalho

Organizámos uma prova cega de brancos em dois andamentos: no primeiro, só houve lugar para o vinho e no segundo experimentaram-se os mesmos vinhos, mas com comida. Os mais apreciados a solo nem sempre resistiram ao teste feito à mesa.

O que é o vinho para si? Uma bebida recomendada para momentos de convívio, mas que na sua essência é um bem alimentar que recomenda um diálogo com a comida? Pode um vinho ser altamente recomendável para beber num final de tarde com amigos e nada recomendável para acompanhar um prato de bacalhau, de massas, de carnes brancas ou queijos? Por intuição, todos sabemos que as respostas a estas perguntas são dois inequívocos "sim". Mas quisemos testar essas ideias e verificar até que ponto são indiscutíveis.

Para esse propósito, organizámos um painel de sete pessoas conhecedoras das artes do vinho, escolhemos na garrafeira do supermercado do El Corte Inglés em Vila Nova de Gaia nove vinhos brancos com um preço máximo a rondar os dez euros (a gama média a deslizar para a média-alta em Portugal) e decidimos avançar com uma prova cega em dois momentos: de manhã, os vinhos seriam provados e avaliados numa escala de zero a 100 pontos sem acompanhamento; depois, os mesmos vinhos voltariam a ser provados e avaliados pela mesma escala à hora do almoço.

As provas cegas de vinho são vítimas de muitas críticas. As suas avaliações são redutoras, dizem os seus detractores. Transformam o vinho num objecto de laboratório e retiram-lhe a carga da natureza, da história e da cultura das pessoas que o trabalham, acrescentam. Na sua feição mais profissional resumem-se a um sorteio feito a partir do estado de espírito dos provadores, sublinham. Tudo bem, não há forma de contrariar estas limitações. Mas, quando despidas daquele ar sisudo que procura respostas objectivas de uma análise sensorial, as provas cegas podem ser muito divertidas – além de fáceis de organizar lá em casa com os amigos. E ao mesmo tempo úteis. Como esta prova cega em dois andamentos acabaria por provar.

Para começar, constitui-se um painel de prova ecléctico, embora todos os seus elementos sejam pessoas habituadas a analisar e comentar vinhos. Álvaro Van Zeller é um enólogo experimentado, herdeiro de uma tradição familiar com mais de dois séculos de ligação à região do Douro e com um já notável passado na criação de vinhos do Porto, do Douro e também na região dos Vinhos Verdes. Beatriz Machado é Mestre em Ciências de Viticultura e Enologia pela Universidade da Califórnia e directora do serviço de vinhos do Hotel The Yeatman, em Gaia. Lígia Santos é uma engenheira que se tornou a primeira masterchef portuguesa e trabalha na área da gastronomia. Pedro Garcias e José Augusto Moreira são jornalistas do Público e críticos na e área dos vinhos e da gastronomia. Luís Costa é jornalista da estação de televisão RTP. E Ivone Ribeiro é dona de uma garrafeira, a Garage Wines.

A escolha dos vinhos obedeceu a três critérios: exprimir a diversidade regional de Portugal na produção de brancos, com um preço cujo tecto máximo se fixou na casa dos dez euros, com o maior desvio possível em termos de idades de colheita e com uma diversidade que acolhesse marcas muito conhecidas com outras menos conhecidas. Para se chegar a estes critérios, a selecção contou com a experiência da equipa de vinhos do El Corte Inglés. Seleccionaram-se dois vinhos do Douro, dois do Alentejo, dois da região dos Verdes, um da Bairrada, um do Dão e um de Bucelas (região de Lisboa) – o júri decidiu rejeitar um vinho da Península de Setúbal por acusar sinais precoces de envelhecimento. Estabeleceu-se como regra que as pontuações seriam de 0 a 100, sendo que um vinho entre os 86 pontos e os 100 seria "excelente" e entre 72 e 86 pontos "muito bom", de acordo com o critério da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV).

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