Fugas - Vinhos

Enric Vives-Rubio

António Saramago

Por Rui Falcão

António Saramago dispensa apresentações. Afinal, é o enólogo com mais experiência em Portugal, responsável por alguns dos maiores vinhos Moscatel de Portugal, o único a ter já celebrado cinco décadas de actividade ininterrupta numa vida integralmente dedicada ao vinho.

Só na célebre José Maria da Fonseca, empresa de onde saiu há muitos anos, trabalhou durante 42 anos. Numa interpretação livre, quase poderíamos afirmar que António Saramago nasceu predestinado para uma vida em redor do vinho. Começou a trabalhar na José Maria da Fonseca muito cedo, ainda com doze anos, numa época em que o trabalho juvenil era encarado de forma natural.

Entrou pela mão do pai, também ele funcionário da casa que servia como encarregado de armazém. Hoje reconhece a sorte de ter convivido e aprendido directamente com dois dos maiores enólogos da época, dois dos maiores vultos da enologia nacional, o professor Manuel Vieira e o engenheiro António Soares Franco. Começou por ajudar no laboratório, onde teve oportunidade de aprender os fundamentos básicos da arte do lote, de enologia e de conhecimento físico e empírico dos vinhos que o ajudaram a construir uma vida profissional repleta de sucessos.

Como era habitual à época, sobretudo para quem chegava em idade tão tenra ao mercado de trabalho, começou por baixo, pelas tarefas mais simples e de responsabilidade limitada, para mais tarde chegar a analista. Teve o cuidado de continuar a estudar à noite, tirando o curso médio de serralheiro, alargando o leque de conhecimentos e consequentemente de oportunidades profissionais. A progressão dentro da José Maria da Fonseca foi tão veloz e sustentada que dez anos depois, já no início dos anos setenta, deu por si na equipa de enologia.

Deram-lhe oportunidade para estudar em França, de aprender e ganhar experiência em Bordéus, onde teve a fortuna e privilégio de aprender com o professor Pascal Ribereau-Gayon, um dos nomes mais sonantes da enologia mundial. Foi acumulando diferentes vivências e competências diversificadas, desde aquelas que são ensinadas pela escola da vida até àquelas que só se alcançam com empenho pessoal, a formação académica e a prática acumulada que foi adquirindo no trabalho diário na José Maria da Fonseca. Conseguiu ganhar um misto de traquejo e experiência prática que poucos conseguem alcançar. Alargou horizontes, conheceu novas realidades e novos mundos, num Portugal que à época ainda estava muito fechado sobre si próprio.

Com o passar dos anos, António Saramago começou a ser identificado com alguns dos vinhos mais emblemáticos da casa, os Moscatel de Setúbal, de que a José Maria da Fonseca representa o expoente supremo. Ainda hoje, muitos anos depois de ter saído da casa onde começou e se fez homem, António Saramago reconhece o quanto deve à José Maria da Fonseca, a empresa que o formou, que lhe deu todas as oportunidades e onde trabalhou durante 42 anos.

Em 1982, quando ainda trabalhava na José Maria da Fonseca, deu o primeiro passo fora da alçada da casa mãe. O inesperado convite surgiu das mãos da Adega Cooperativa da Granja e o resultado final foi francamente edificante. Numa época onde ainda se davam os primeiros passos para a afirmação do Alentejo como região produtora de vinho e os vinhos alentejanos ainda eram alegres desconhecidos para a maioria dos consumidores nacionais, António Saramago elaborou a primeira edição do Terras do Suão. Hoje poucos se lembrarão deste vinho revolucionário, um dos primeiros a estagiar em barricas de madeira nova, mas à época o vinho granjeou uma reputação notável. Para António Saramago, foi o primeiro convite para trabalhar fora da José Maria da Fonseca e da região de Setúbal. Na altura, sentiu-se como se fosse um pioneiro a desbravar caminho num Alentejo ainda desconhecido. O sucesso deste primeiro vinho teve como consequência uma chuva de convites para elaborar outros vinhos, convites que decidiu não aceitar.

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