Dizia a baronesa Phillippine de Rothschild, do Château Mouton Rothschild, que fazer vinho é relativamente simples, só os primeiros 200 anos são difíceis… Claro que a sentença é válida para os grandes vinhos, para aqueles que ganham dimensão global e vão sobrevivendo aos fundadores e às gerações seguintes. Se a aplicarmos à bairradina Quinta das Bágeiras, então teremos de dizer que já só faltam 175 anos para os dias de bonança. Os primeiros 25 anos foram celebrados na semana passada e, neste período, o homem que é o rosto do projecto, Mário Sergio, já ganhou o prémio de melhor jovem agricultor de Portugal e o título de comendador. E ainda só tem 48 anos, o que diz bem sobre os seus méritos e o sucesso dos vinhos das Bágeiras.
Mas, como lembrava o próprio Mário Sérgio, a Quinta das Bágeiras só chegou onde chegou porque por trás do lado mais festivo e comercial existe um núcleo familiar unido a segurar as pontas da empresa. É o pai Abel (nome também de vinho) que trata das vinhas, é a mãe que ajuda na adega, é a mulher que trata da contabilidade e das vendas, são os filhos que dão uma mãozinha nos inúmeros almoços vínicos requisitados por clientes. E há ainda a irmã, sócia desde o início.
Em 25 anos pode-se ir do sucesso ao fracasso e houve períodos em que Mário Sérgio duvidou sobre se os seus vinhos, feitos de forma tradicional, sem colagens nem filtrações, mas pouco modernos, algo rústicos até, teriam lugar num mercado tão competitivo e dominado por vinhos mais fáceis e elegantes. Mas uma crónica de David Lopes Ramos na Fugas, em que o falecido crítico do PÚBLICO gaba a mineralidade, a pureza, a autenticidade e a força telúrica dos vinhos das Bágeiras, destacando-lhes a sua grande vocação gastronómica, mudou tudo e fez Mário Sérgio acreditar que estava no caminho certo. Nessa altura, os vinhos das Bágeiras eram apenas conhecidos na região e entre um pequeno grupo de enófilos. Hoje, são uma referência no país e estão entre os vinhos nacionais mais apreciados pela crítica internacional.
De qualquer forma, a Quinta das Bágeiras continua a ser uma pequena empresa familiar, comercializando apenas cerca de 130 mil garrafas por ano, entre vinagres, aguardentes, espumantes e vinhos brancos e tintos. O modelo é claramente borgonhês: produzir pouco mas bom.
O gosto francófono de Mário Sérgio levou-o, há dois anos, a começar a vender vinho en primeur (ainda antes de ser engarrafado), como é comum em algumas regiões de França. Fez a experiência com o tinto Pai Abel Garrafeira 2009, criado em homenagem ao progenitor, que, apesar de octogenário, continua a tratar das vinhas — um verdadeiro vigneron. É o vinho mais próximo do conceito de terroir, tão do seu agrado, que já fez até agora. Foram produzidas apenas duas mil garrafas. Em primor, foram vendidas a 25 euros. Agora, as poucas centenas de garrafas que restam vão ter um custo à porta da adega de 60 euros mais IVA.
As uvas provêm de uma vinha relativamente nova plantada com Baga e Touriga Nacional e são vinificadas em simultâneo em lagar aberto. A fermentação é feita em barricas usadas, onde o vinho estagia durante cerca de um ano, passando depois mais 11 meses num único tonel, antes de ser engarrafado sem ser colado e filtrado. O Pai Abel é um vinho mais “moderno” do que os clássicos Bágeiras Garrafeira, feitos apenas de Baga de vinhas velhas, em lagar e estágio em tonéis antigos, mas mantém a matriz da casa: austeridade de aroma, grande corpo e profundidade, sabor complexo, taninos vigorosos e enorme frescura. Apesar de 2009 não ter sido o melhor ano da Bairrada (foi mais quente do que o 2008, um dos melhores das últimas décadas), é um vinho extraordinário, capaz de agradar a um leque mais alargado de consumidores.