Fugas - Vinhos

Enric Vives-Rubio

O vinho sabe viajar?

Por Rui Falcão

A exportação é uma das grandes prioridades nacionais, um imperativo e uma necessidade absoluta para a maioria dos produtores portugueses.

Uma inevitabilidade alimentada não só pela crise económica endémica que teima em não nos largar como uma necessidade criada pela contracção do mercado, contracção anterior ao eclodir da crise e sem ligação directa com a mesma. Bebemos menos vinho hoje que no passado, bebemos com mais moderação, bebemos menos mas melhor, seguindo uma tendência que é transversal a toda a Europa do Sul, à Europa produtora tradicional de vinho.

Por isso a exportação é inevitável, porque a produção aumenta ao mesmo tempo que o mercado nacional se contrai. Desbravar caminho para novos mercados é, pois, mais que um imperativo, uma inevitabilidade. Enquanto uma grande parte da Europa do Sul diminui o consumo, a outra Europa, a do Norte, tradicionalmente menos familiarizado com o vinho, aumenta o consumo e o interesse pelo vinho. O continente americano, não só do Norte como da América latina, mostra igualmente um apetite crescente pelo vinho, tal como parte da Ásia, embora de forma menos pronunciada.

Para conquistar estes mercados é preciso um esforço titânico de promoção, educação e adaptação, viagens frequentes, visitas a importadores e putativos distribuidores, presenças em feiras e eventos e um sem fim de outras solicitações e diligências. Espanha, França, Itália, Alemanha, Áustria, Argentina, Chile, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia e uma infinidade de outros países sofrem as mesmas vicissitudes que Portugal procurando os mesmos mercados, disputando o mesmo espaço, os mesmos importadores, as mesmas quotas de mercado nos países de monopólio estatal.

Exportar é uma dificuldade mas encontrar importador, vender o vinho, voltar a receber encomendas e cobrar, sempre um dos momentos mais melindrosos das transacções, são apenas os primeiros dilemas com que o produtor se depara. A outra dificuldade, quase sempre ignorada e frequentemente menosprezada, é o transporte dos vinhos até aos mercados e aos pontos de venda. Temos tendência para esquecer que o vinho é um produto alimentar e que como tal obriga a formas de conservação particulares. Consequentemente, obriga igualmente a condições de transporte que requerem requisitos de temperatura que a maioria das transportadoras não tem nem condições para cumprir nem conhecimentos para implementar.

A maioria dos vinhos são transportados em contentores, quase sempre por via marítima, contentores que salvo raríssimas excepções, e as excepções são mesmo raríssimas, não são climatizados. E mesmo que os contentores fossem climatizados, coisa impraticável pelo preço incomportável, quem poderia garantir que o circuito de refrigeração se mantinha em todos os passos do transporte, desde o embarque até ao desembarque e desalfândega, desde o armazenamento nos entrepostos de importadores, distribuidores e pontos de venda até ao transporte entre os armazéns e os supermercados, garrafeiras ou restauração? E quem garante que em cada um destes pontos de venda os vinhos são bem acondicionados e preservados?

Significa isto que os vinhos chegam ao mercado, sobretudo na exportação, estragados ou impróprios para consumo? Significa que estamos perante um caso de saúde pública? Claro que não, o vinho é extremamente resiliente e capaz de suportar maus tratos, mesmo que consumados de forma mais ou menos contínua. Não se trata, portanto, de um caso de ameaça à saúde pública, mas sim de uma diminuição das propriedades, condicionantes muito mais delicadas e potencialmente mais difíceis de resolver e entender. Significa que, apesar de continuar bebível, e até potencialmente notável, o vinho perdeu muitas das suas qualidades e dos seus predicados iniciais, surgindo diminuído face às qualidades e ao seu perfil original.

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