Fugas - Vinhos

Pereira d’Oliveira

Por Rui Falcão

Há um pequeno conjunto de produtores de vinho que conseguem manter-se fiéis às tradições e ao classicismo, produtores que preferem manter um estilo intemporal mantendo as práticas e filosofias do passado, produtores que se apegam ao passado para fazer os vinhos de hoje.

A Pereira d’Oliveira, fundada em 1850 por João Pereira d’Oliveira, é um desses raros casos, um produtor de Vinho da Madeira que defende os valores da tradição de uma forma quase exacerbada, uma empresa que conserva um espírito solidamente familiar e que, século e meio depois da fundação, perpetua o estatuto de pequena empresa familiar, uma das poucas a manter-se na posse da família original sem ter submergido perante os perigos da sucessão de gerações das empresas familiares e os inconvenientes das sucessivas partilhas e divisões patrimoniais a que as leis sucessórias napoleónicas obrigam.

Por um conjunto de pequenos acasos e imprevistos familiares, graças a uma cadeia de coincidências temporais e de casamentos ditosos, mas também por ao longo das gerações ter acontecido uma sucessão invulgar de filhos únicos, a Pereira d’Oliveira conseguiu conservar um núcleo duro e consistente dentro da família, alheando-se da tradicional fragmentação em dezenas de pequenos accionistas familiares que tantas vezes acabam divididos por interesses divergentes. Apesar de a Pereira d’Oliveira começar agora a incorporar a sexta geração nos negócios da família, é ainda a quinta geração que mantém a governação, com Aníbal Pereira d’Oliveira a assumir a responsabilidade pela enologia e Luís Pereira d’Oliveira a incumbir-se das vendas e promoção.

Dentro da já de si pequena dimensão dos produtores madeirenses, a Pereira d’Oliveira continua a ser um dos mais pequenos e mais discretos produtores, alheada por vontade própria dos holofotes mediáticos, justamente orgulhosa dos vinhos que continua a apresentar ao mundo. Como sempre nos vinhos da Madeira, são os vinhos com indicação de idade de três, cinco, dez e quinze anos que asseguram o grosso do volume e da facturação da empresa. Os vinhos são vendidos maioritariamente na loja aberta nos armazéns do Funchal, situada na famosa Rua dos Ferreiros, num dos edifícios ex-líbris do centro da cidade, um armazém de traça antiga edificado em 1619, bem no coração do Funchal vinhateiro. A loja funciona igualmente como centro de recepção ao público, apresentando-se como o único dos armazéns de envelhecimento do Vinho da Madeira que se encontra aberto ao público, já que os restantes três armazéns de envelhecimento da empresa não são visitáveis.

Ao contrário da tradição na Madeira, sobretudo nas duas últimas décadas, que reserva e especializa as castas anteriormente apelidadas de “nobres”, o Sercial, Verdelho, Terrantez, Boal e Malvasia, para os lotes de dez e quinze anos, todos os vinhos com indicação de idade da Pereira d’Oliveira, que só produz vinhos com três, cinco, dez e quinze anos, são elaborados com a variedade Tinta Negra. Os vinhos com indicação de idade recorrem todos à estufagem e mostram-se todos eles competentes e sérios, bem agradáveis... mas, há que dizê-lo, sem o fulgor de muitos outros grandes vinhos da Madeira deste estilo.

Na verdade, são os Madeira Frasqueira, os monumentais e grandiosos Frasqueira da Pereira d’Oliveira, que fizeram, e continuam a fazer, a fama, o proveito e a fortuna da casa. É fácil, muito fácil, ficar simultaneamente esmagado, surpreendido e extasiado perante a grandeza, exotismo e sumptuosidade dos Frasqueira da Pereira d’Oliveira. A oferta de colheitas antigas é assombrosa e aparentemente inesgotável, as referências remontam a 1850, o ano da fundação da Pereira d’Oliveira. A multiplicidade de vinhos, de quase todas as castas e colheitas, é capaz de deixar sem palavras o mais calejado dos provadores perante tamanha opulência e abundância. Sempre vinhos da casa, feitos e envelhecidos dentro de portas, sem necessidade de comprar vinho a terceiros. Na verdade, nas décadas de setenta e oitenta do século passado aconteceu precisamente o contrário, através da venda de alguns lotes incríveis a outros produtores da ilha, tal como foi habitual ao longo dos anos com tantos outros produtores, muitos deles já desaparecidos.

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