John Malkovich não age como se fosse o centro das atenções. Sentado à mesa do restaurante Bica do Sapato, em Lisboa, do qual é sócio, rodeado por jornalistas, o actor norte-americano fala no seu habitual tom calmo e pausado, sorri, faz perguntas a quem está sentado ao seu lado, ouve atentamente as respostas.
À sua frente está sentada a mulher, Nicoletta Peyran. Os dois estão ali para apresentar o vinho que fazem na propriedade que têm na Provença, em França — um vinho que baptizaram como LQLC, as iniciais da quinta, Les Quelles, e da aldeia, Lacoste.
Foi, aliás, Nicole, quem primeiro pensou na possibilidade de fazerem vinho. Malkovich — que, para além de actor, realizador e produtor (esteve em Portugal para apresentar no Lisbon & Estoril Film Festival Variações de Casanova, filmado no Teatro de São Carlos, em Lisboa, e com produção de Paulo Branco), tem também uma linha de moda para homem desenhada por ele — gostou da ideia.
Antes de pertencer aos Malkovich, a propriedade tinha sido usada para outras produções, mas praticamente não tinha vinhas. Em 2003, devido a uma divergência com o Governo francês relativamente ao pagamento de impostos, o casal decidiu mudar-se do Sul de França para os Estados Unidos, acompanhado pelos dois filhos.
Na altura, em declarações à imprensa, Malkovich lamentou profundamente deixar a propriedade pela qual se tinha apaixonado seis anos antes, e que transformara e recuperara, plantando sobretudo flores. Mas como Les Quelles continuava a pertencer-lhes, John e Nicole quiseram manter a ligação através da produção de vinho.
Resolveram então plantar Cabernet Sauvignon e Pinot Noir, apostando em duas castas que são pouco comuns na região (sobretudo o Pinot Noir), onde existem regras estritas para o tipo de castas que podem ser utilizadas. Acontece que Les Quelles fica situada numa área que escapa a essas regras mais rigorosas, e por isso os proprietários podem fazer opções diferentes.
Por enquanto, com a primeira produção concluída em 2011, os LQLC são três: o Cabernet Sauvignon (30 euros na Bica do Sapato), o Pinot Noir (25 euros), e um rosé feito a partir das uvas Cabernet de 2012, que para já não estará disponível. “Nunca se vê Pinot Noir na nossa região”, explica John Malkovich, mas contaram-lhe que não foi assim no passado, e depois de um amigo lhe ter mostrado um Pinot Noir produzido ali, do qual gostou, decidiu avançar. Confessa, no entanto, que a sua preferência vai para o Cabernet Sauvignon, que nos LQLC não só aparece já com uma personalidade mais marcada como, acredita o actor, “viaja melhor que o Pinot Noir”.
Malkovich mostrou-se preocupado com os resultados da vindima deste ano, porque o clima não foi propício para as uvas, mas sublinhou que é preciso ainda esperar para ver. E revelou que o objectivo é aumentar a área de vinha (e a produção, actualmente de 10 mil garrafas), plantando agora a casta Carménère.
Por enquanto, quem quiser provar os vinhos dos Malkovich poderá fazê-lo apenas na Bica do Sapato — serão os únicos vinhos não-portugueses na carta do restaurante. Durante o almoço, Malkovich contou, aliás, como se tinha tornado sócio, recordando uma noite em que jantava no Pap’Açorda, no Bairro Alto, e ouviu os donos falarem de um novo projecto (a conversa era em francês, o que permitiu que o actor americano, fluente naquela língua, percebesse). Entusiasmado, levantou-se para apresentar uma proposta: se precisassem, estava disposto a tornar-se sócio nessa nova aventura. Agradeceram-lhe, mas recusaram. Algum tempo mais tarde, recebeu um telefonema a perguntar se ainda estava interessado. Ele disse imediatamente que sim.