Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

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Lote de colheitas, um desafio difícil de cumprir

Num país com tantas e tão antigas tradições só uma prática se mantém tabu, embora a mesma se ajuste como um dos pilares essenciais para a fama e proveito dos vinhos fortificados nacionais, a ideia de misturar colheitas, o conceito de juntar vinhos de idades e colheitas distintas numa só garrafa. Para o vinho do Porto, vinho da Madeira ou moscatel de Setúbal, a arquitectura é mais que evidente e os vinhos são não só consequentes como fundamentais para a identidade. São aquilo que se designa como vinhos com indicação de idade, vinhos de 10, 20, 30 ou mais de 40 anos, no caso do vinho do Porto e moscatel de Setúbal, e três, cinco, dez, 15, 20, 30 ou 40 anos no caso do vinho da Madeira.

Juntar colheitas distintas sempre fez parte da longa tradição portuguesa. O princípio inerente é exactamente o mesmo que sustenta a tese da mistura de castas, da arte do lote que tanto defendemos e que usamos como elemento identificador da nossa identidade e como forma de promoção internacional dos vinhos portugueses. O lote de colheitas permite a assimilação de diferentes variáveis e a consequente introdução de complexidade e riqueza inigualáveis. Nos vinhos mais simples permite ainda a atenuação de colheitas menos bondosas valorizadas pelas colheitas de maior riqueza.

E no entanto são raros os produtores a sentir-se tentados por embarcar nesta experiência. A pressão do mercado, que valoriza uma data de colheita, a provável falta de rotação na prateleira, a dificuldade em explicar mais um conceito, a falta de conhecimento das vantagens, podem ajudar a explicar que tão poucos produtores demonstrem interesse na prossecução da sua realização. Mas não há nenhuma razão para que esta prática tão antiga não volte a ser reabilitada, melhorando alguns vinhos mais simples e engrandecendo os melhores vinhos sob os mesmos princípios com que defendemos a arte do lote.

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