Essa originalidade manifesta-se em quase todos os passos do vinho, desde a viticultura à enologia, desde os pequenos detalhes até ao quadro mais genérico e amplo. Tanto a filosofia como as práticas portuguesas na vinha e na adega são profundamente diferentes daquela que é a realidade e normalidade internacional oferecendo formas alternativas de encarar o vinho.
A diferença sente-se em todos os campos e em todos os detalhes, tornando a análise do vinho português num exercício mais de procura de semelhanças que na procura do muito que nos diferencia dos restantes países produtores de vinho. Uma das diferenças fundamentais, mas seguramente não a única, são as castas nacionais, a insistência portuguesa na utilização e manutenção das variedades autóctones, castas originais que não existem em nenhum outro país.
Não se trata apenas da questão de utilizarmos preferencialmente as variedades lusas mas também da quantidade e validade qualitativa das castas oferecidas por uma natureza que foi especialmente bondosa. Para além da felicidade e abundância proporcionada pela natureza, tivemos ainda a fortuna de conseguir conservar esse património de forma brilhante. Poderemos sempre argumentar se essa proeza foi alcançada por termos um objectivo idealizado e graças a um esforço metódico ou por um acaso da história, por conservadorismo, por isolamento geográfico e histórico, por falta de investimento ou por outra contingência qualquer.
A verdade é que dispomos hoje, tal como no passado, de um argumento único e que poucos países produtores de vinho desfrutam: a capacidade de fazer vinhos autênticos e diferentes do resto do mundo, vinhos personalizados e originais que fogem ao padrão internacional que a maioria dos produtores de vinho dos restantes países, europeus e do novo mundo, seguem.
Claro que aquilo que é diferente pode ser sempre considerado simultaneamente como uma bênção ou como uma maldição. Se ser diferente permite, por um lado, uma individualidade que sai reforçada no meio de um mar de vinhos de perfil mais ou menos igualitário, ser diferente significa igualmente ser estranho, novo e desconhecido. Obriga a gastar recursos para explicar e dar a conhecer os vinhos, impõe uma mudança de gostos, impele à educação e a uma mudança de preceitos e preconceitos. E todos sabemos que a mudança, independentemente da sociedade em causa, é sempre difícil, custosa e cara.
Para além dessa diferença fundamental, que presume a utilização de variedades que mais nenhum país ou região usam e que ninguém conhece ou sabe pronunciar, os portugueses preferem ainda fazer vinhos de lote, com diversas castas misturadas, que tornam essa aprendizagem mais exigente, adicionando dificuldade ao momento de compreensão das qualidades e particularidades individuais de cada variedade. Não é um defeito nem uma virtude, é apenas o seguimento da tradição portuguesa que tanto nos orgulha e que demonstrou ao longo de séculos ser suficientemente proveitosa para ser preservada.
Como se estas diferenças não fossem suficientemente extremas e exóticas por si, só o isolamento português determinou ainda a manutenção de práticas que para os olhos do mundo são consideradas excêntricas e surpreendentes. Costumes que para nós são rotineiros, como pisar as uvas com os pés ou fermentar vinhos em lagares, são princípios estranhos e desconhecidos para a maioria do mundo produtor de vinho. Mesmo a ideia de fermentar vinhos em ânforas de barro, tradição mantida nas terras alentejanas, revela uma forma diferente de utilizar estas ânforas. Para além do Alentejo, só uma outra região, a Geórgia, manteve esta prática ao longo dos séculos, com a diferença de os georgianos, e todos aqueles que têm vindo a recuperar esta tradição tão antiga, enterrarem as ânforas no chão, enquanto no Alentejo elas sempre foram mantidas à superfície.