Fugas - Vinhos

Fernando Veludo/nFactos

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Só o tempo dá nobreza aos grandes vinhos

Hoje já ninguém pensa em fazer vinhos para esse horizonte temporal de consumo, mas o refinamento da moderna enologia na procura de vinhos mais fáceis de beber após dois ou três anos não significa que o seu potencial de envelhecimento fique comprometido. Luís Lopes recorre a alguns exemplos para o provar, como os vinhos do final da década de 1990 de marcas como a Vale Meão, a Vallado ou a Batuta. “Hoje provamos esses vinhos e eles continuam grandiosos”, nota. Uma vez mais a sua tese se confirma: “Só os grandes vinhos envelhecem com o tempo.”

Uma vez que hoje em dia se fazem grandes vinhos em praticamente todas as denominações de origem do país, as distinções entre as regiões aptas para o envelhecimento e regiões destinadas a produzir vinhos para consumo imediato diluíram-se. Claro que a Bairrada, e em especial a casta Baga, é um caso muito especial. O seu fulgor original, o seu músculo e a sua acidez tornam-na especialmente vocacionada para projectar o futuro e um Baga velho e grande bate-se bem com os melhores vinhos do país — e não só. Mas hoje é possível constatar belos vinhos com uma década ou mais de garrafa em regiões como Lisboa ou na Beira Interior. E ficar com a certeza de que os grandes vinhos do Alentejo se engrandecem com o tempo — casos como o Mouchão, os Quinta do Carmo, os Reynolds, os Esporão são a este propósito emblemáticos.

A profissionalização da enologia e o investimento nos vinhedos alteraram práticas de vinificação tradicionais mas não comprometeram o potencial de envelhecimento dos vinhos. Raul Riba D’Ave manifesta algumas interrogações sobre se certezas como a do potencial do Douro para o envelhecimento ainda permanecem incólumes. “Em muitos casos temos decepções, pelo que vamos ter de esperar mais uns anos para podermos ter ideias mais concretas”, diz. Mas há casos e casos. Os Barca Velha da geração Luís Sottomayor continuam solenemente jovens ao final de 10 ou 15 anos; os Ramos Pinto reserva dos primeiros anos de 1990 estão agora no seu auge — e o Reserva Especial de 1995 é um monumento à arte da enologia e do tempo; os Noval de 2007 só agora começam a entrar no domínio da complexidade. 

Para os grandes especialistas, estas constatações tornam difícil de perceber a atitude dos produtores que colocam os seus topos de gama no mercado após dois ou três anos de maturação. “Muitos desses vinhos consomem-se cedo de mais”, lamenta Luís Lopes. “Por vezes o consumidor torce o nariz quando os experimenta e depois de esperar mais três ou quatro anos chega à conclusão que o vinho é genial”, acrescenta. A regra geral, porém, pode ser outra. “Infelizmente os consumidores dão mais valor à fruta viva do que à complexidade”, lamenta Domingos Soares Franco.

A baronesa de Rothschild, proprietária de vinhas e marcas de vinhos de Bordéus recentemente falecida, dizia que neste negócio o mais difícil são os primeiros 200 anos e em Portugal ainda é cedo de mais para que se disponha de um património de memória capaz de exaltar as melhores estirpes de vinhos envelhecidos. Nos vinhos tranquilos, há poucas empresas com a história da Caves São João ou a José Maria da Fonseca. As mudanças na vinha e nas adegas criaram um novo mundo cujos contornos estão ainda em definição. Para quem quiser experimentar o tempo longo no vinho terá de o procurar nos grandes Porto, Madeira ou Setúbal.

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