Aromas polidos, sem a exuberância e o calor da fruta jovem, corpo frágil, cor evoluída para tons menos brilhantes e ostensivos. Nada nos vinhos envelhecidos parece estar de acordo com os gostos modernos. Por isso estão fora de moda. Não tanto os vinhos do Porto, os moscatéis de Setúbal ou os Madeira. Principalmente os tintos e os brancos, que outrora se obrigavam a passar pelo teste do tempo antes de entrarem na consideração dos apreciadores. Hoje, as garrafeiras, os restaurantes ou os supermercados cederam à pressão dos clientes e por arrastamento os produtores deixaram de ter em conta a maturação dos seus vinhos. O que outrora era um sintoma de bom gosto, de conhecimento e experiência e de paixão pelo acompanhamento da evolução dos vinhos tornou-se, por um hábito diletante e esquisito, uma devoção condenada a perecer perante as paixões fortes dos vinhos jovens.
O que faz o tempo a um vinho engarrafado? “Torna possível um conjunto de reacções químicas que tornam os vinhos clássicos”, nota Raul Riba D’Ave, sócio-gerente da distribuidora Direct Wine e aluno do exclusivo Instituto Master of Wine em Londres. As trocas gasosas intermediadas pelas rolhas de cortiça “começam a transformar os aromas da fruta em aromas terciários, que resultam do tempo em garrafa”, explica Domingos Soares Franco, enólogo da José Maria da Fonseca. Essas trocas amaciam a adstringência original dos vinhos, harmonizam as suas diferentes componentes e criam a complexidade e o balanço que distingue os grandes vinhos dos outros.
O tempo é, por isso, “a pedra de toque que distingue um vinho comum de um grande vinho”, nota Luís Lopes, director da Revista de Vinhos e reconhecidamente um dos mais qualificados provadores e conhecedores do vinho em Portugal. Mas será uma pedra de toque de todos os vinhos? Não. O tempo de maturação em garrafa funciona como um teste no qual só os vinhos bem-nascidos conseguem sobreviver. “Só os grandes vinhos engrandecem com o tempo”, sublinha Luís Lopes. Os outros “podem até piorar após dois ou três anos em garrafa”, acrescenta Raul Riba D’Ave.
Há alguns anos acreditava-se que esse potencial de envelhecimento dependia de uma opção enológica que privilegiasse uma estrutura de taninos rugosa e imponente e uma acidez natural elevada. Ou seja, vinhos que tivessem os ingredientes sobre os quais melhor se exerce a acção do tempo. Esses vinhos que há 30 ou 40 anos nasciam imbebíveis e exigiam dez ou mais anos de evolução até adestrarem os seus componentes originais faziam a matriz dos grandes bairradinos ou dos grandes vinhos do Dão. Ainda hoje se podem beber colheitas de 1963 das Caves São João ou do Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas e ficar impressionado pela sua consistência, pelo seu nervo e pela sua extraordinária profundidade e complexidade. Mas não eram casos únicos. No geral, as empresas produziam vinhos para guardar nas suas caves, lançando no mercado os que consideravam ter já passado com alguma distinção os testes do tempo. Domingos Soares Franco chegou à José Maria da Fonseca em 1980 e lembra-se que nesse ano estava a ser lançado o Periquita de 1968 e 1969.