Fugas - Vinhos

Manuel Roberto

Áustria, vinhos tintos e Dirk Niepoort

Por Rui Falcão

A Áustria vinícola continua a ter de combater duas imagens, duas frases feitas que limitam o conhecimento sobre os vinhos do país alpino.

A primeira, e também a mais terrível, é a dificuldade internacional em relacionar a Áustria com o vinho, em identificar o país como produtor de vinho. A segunda, menos perniciosa, e apenas válida para aqueles que sabem que a Áustria é um dos países produtores mais excitantes do momento, é a associação entre o país e os vinhos brancos secos e doces, relegando os vinhos tintos para uma irrelevância com pouca correspondência com a realidade.

Áustria, pátria de vinho branco? Sim, seguramente. O clima continental e alpino, as noites frescas, as vinhas plantadas em encostas de forte pendente, as neblinas matinais, as altitudes elevadas de muitas vinhas convidam a reforçar este chavão, pressupondo um país produtor de vinhos brancos de excelência. Áustria, pátria dos vinhos doces? Sim, seguramente. O enunciado assenta particularmente bem a este país de tão larga tradição neste estilo tão particular que domina como poucos. A paisagem rural da região do lago Neusiedlersee, nas proximidades de Illmitz e Apetlon, com os intensos nevoeiros matinais provocados pela condensação dos ventos quentes da planície húngara, oferecem condições ímpares para a aparição das maravilhas da podridão nobre.

Mas o país encerra igualmente segredos e silêncios bem guardados e existe vida fora das regiões consagradas e dos estilos já conhecidos. Emergem novas regiões a par das denominações já conhecidas e carregadas do peso da tradição, coexistindo estilos inovadores com um outro lado de classicismo de atitudes. A Áustria não se resume ao famoso triângulo Wachau, Kamptal e Kremstal, não muito longe de Viena, num momento simultaneamente de libertação e de convulsão.

A grande surpresa dos últimos anos advém dos vinhos tintos, uma especialidade qualitativa relativamente recente na paisagem vitícola austríaca. As alterações climáticas estão na ordem do dia, é uma realidade insofismável que somos regularmente confrontados com novas realidades climáticas que afectam a produção vinícola em todas as latitudes. As temperaturas médias do Inverno austríaco subiram cerca de um grau nas últimas quatro décadas, ao mesmo tempo que as temperaturas médias de Verão subiram cerca de dois graus. Poderão até parecer variações quase irrelevantes, mas as consequências no ciclo vegetativo da planta são dramáticas e propiciadoras de perfis inauditos.

Tanto que de um passado recente, onde a produção de vinho tinto era praticamente desprezível, se passou a um estado de euforia e uma aposta neste estilo de vinhos. Duas castas locais fazem a delícia dos enófilos, a Blaufränkisch, notável na acidez e nos aromas apimentados que a assemelham a uma versão mais ligeira do Syrah, e a Sankt Laurent. No entanto, o cavalo de batalha das castas tintas austríacas é o Zweigelt, um cruzamento entre as duas castas anteriores que, apesar de tão apreciada na vinha, raramente proporciona vinhos únicos. As internacionais Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah e habituais companheiras de viagem também penetraram nas vinhas, apesar de por ora se manterem, felizmente, em proporções relativamente modestas.

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