Fugas - Vinhos

Rui Soares

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Grand Noir e os clássicos do Alentejo

Precisamente esta última casta, o Grand Noir, representa muito provavelmente um dos casos simultaneamente mais estranhos e paradigmáticos do Alentejo. Enquanto a variedade Alicante Bouschet foi florescendo, acabando por se transformar numa das imagens de marca da região, o Grand Noir seguiu o caminho oposto, caindo num esquecimento colectivo sem que se entendam muito bem as razões para tais vicissitudes. Quanto mais não seja porque as duas castas em causa são tão próximas na génese e na história que as podemos considerar primas direitas.

Tal como o Alicante Bouschet, o Grand Noir é uma variedade criada pelo homem, uma casta que resulta do cruzamento forçado de duas outras castas. E, tal como no Alicante Bouschet, o pai do cruzamento é a mesma pessoa, o francês Henri Bouschet. Nas quatro variedades que compõem o Grand Noir e o Alicante Bouschet a dosagem só difere numa das castas empregadas, convertendo as duas castas em versões muito próximas e semelhantes em quase tudo… incluindo a capacidade corante. As castas são tão próximas que uma das sinonímias alentejanas do Grand Noir é precisamente Grand Bouschet.

E é em Portalegre, mas também em Reguengos, que o desaparecimento gradual do Grand Noir tanto incomoda e tanto dá que pensar. São conhecidas as dificuldades de adaptação do Alicante Bouschet ao clima húmido e difícil da serra de São Mamede, a identidade da sub-região de Portalegre. Mas são também conhecidas as facilidades e afinidades do Grand Noir com a sub-região de Portalegre, tal como demonstram de forma tão efusiva os saudosos d’Avillez Garrafeira, vinhos imensos e comoventes, vinhos frescos e irrequietos que o tempo não conseguiu beliscar e que se mantêm vivos e pujantes como poucos em Portugal.

Como é possível esquecer e desperdiçar uma casta como o Grand Noir, especialmente em Portalegre, quando basta olhar para os vinhos e as glórias do passado para colher ensinamentos para o futuro?

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