É em face destes números que o projecto de António Maçanita (enólogo em várias regiões do país), Paulo Machado (presidente da Comissão Vitivinícola dos Açores e proprietário dos Vinhos Ínsula) e Filipe Rocha (director da Escola de Hotelaria de São Miguel) ganha relevância. Depois de umas pequenas experiências, os três decidiram criar uma empresa para a produção de vinhos na ilha do Pico. Entre vinhas alugadas e terrenos comprados, conseguiram reunir cerca de 40 hectares. Uma parte já começou a ser reestruturada com enxertos-prontos de Terrantez do Pico, Arinto dos Açores, Verdelho, um pouco de Saborinho (variedade tinta correspondente à Tinta Negra Mole da Madeira e à Molar de Colares) e também com bacelos para replicar estas e outras castas que têm vindo a ser recuperadas.
Algumas delas, como o Terrantez do Pico (casta que não tem qualquer relação genética com o Terrantez da Madeira, que é o Folgazão do Douro), estavam quase extintas. Há meia-dúzia de anos, os Serviços de Desenvolvimento Agrário de São Miguel correram toda a ilha e só descobriram 89 plantas daquela variedade. Face ao risco de desaparecimento do Terrantez, decidiram então lançar um plano de recuperação das castas mais problemáticas através da criação de três campos experimentais: um em São Miguel para o Terrantez do Pico, outro no Pico para o Arinto dos Açores (também sem qualquer ligação genética ao Arinto do continente) e outro na Graciosa para o Verdelho (uma variedade que está ligada geneticamente à francesa Chenin Blanc, oriunda do vale do Loire).
Em 2010, Susana Mestre, a responsável pelos três campos experimentais, desafiou António Maçanita a ensaiar o Terrantez, uma casta que os viticultores se queixavam de “não amadurecer bem e de ter pouco álcool”. O enólogo lisboeta, que tem ascendência açoriana por parte do pai, gostou do que ouviu – “Os problemas da casta eram só coisas boas”, graceja – e aceitou o repto. Nesse ano fizeram o primeiro vinho e Maçanita ficou surpreendido “com a frescura e a salinidade” do Terrantez.
A experiência voltou a ser repetida em 2011 e 2012 e em 2013 chegou ao mercado o primeiro Terrantez do Pico By António Maçanita, 646 garrafas apenas (ver caixa). No mesmo ano, Maçanita e os seus dois sócios do Pico lançaram também o primeiro Arinto dos Açores (cerca de 1500 garrafas), uma casta que dá vinhos mais robustos e potentes” do que os de Terrantez, embora esta variedade seja “mais singular”, segundo o enólogo. Na colheita de 2014, o grupo produziu brancos de Terrantez, Arinto e Verdelho, um tinto de castas estrangeiras, um rosé (chamado Rosé Vulcânico) e um espumante, no total de 10 mil garrafas.
Segundo Maçanita, os brancos estão a ser um sucesso, sobretudo na alta restauração. “Conseguimos colocar o vinho em dezenas de restaurantes com estrela Michelin da Europa”, garante.
O regresso de Anselmo Mendes aos Biscoitos
Os vinhos brancos da ilha Terceira, feitos de Verdelho, ainda não foram tão longe, mas têm o mesmo potencial, ou ainda mais, do Terrantez do Pico e do Arinto dos Açores, a avaliar pelos extraordinários Muros de Magma 2011 e 2012 lançados pela Adega Cooperativa dos Biscoitos, no concelho de Praia da Vitória. Os vinhos contaram com a assistência enológica de Anselmo Mendes e Diogo Lopes e foram o primeiro resultado palpável de uma parceria estabelecida entre os dois enólogos, aquela cooperativa e os serviços regionais de Agricultura para aumentar a notoriedade dos vinhos e incentivar os produtores a apostarem no cultivo da vinha.