Os Biscoitos são um dos lugares mais hostis para a viticultura nos Açores. As vinhas ficam mesmo situadas junto ao mar, que ali é muito bravio. Ao contrário da ilha do Pico, que é de algum modo protegida pelas ilhas vizinhas do Faial e de São Jorge, a Terceira não conta com qualquer tipo de protecção física.
Vista do alto, a paisagem de vinha dos Biscoitos é quase irreal, assemelhando-se a um campo de lava acabado de solidificar. Biscoitos é, de resto, o nome que se dá à terra queimada nascida dos vulcões.
Muitas das zonas pedregosas de basalto preto situadas junto ao mar são fajãs formadas pelas lavas provenientes de erupções vulcânicas. Por serem terras pobres e de difícil granjeio, eram utilizadas para o cultivo da vinha. Para a cultura ser viável foi necessário proteger as videiras das intempéries através da construção de curraletas. Ao crescerem entre as pedras, aproveitando as fendas existentes na camada fina de basalto, as videiras ficam protegidas dos ventos salgados do mar e vão recebendo a energia solar necessária à maturação dos cachos.
Cada curraleta pode levar entre seis a dez videiras (muitas levam menos), que crescem sem qualquer aramação junto ao solo. São suportadas por tinchões, pequenos ramos de urze que evitam o contacto dos cachos com a terra pedregosa e proporcionam uma melhor incidência da luz solar.
Não há qualquer racionalidade económica nesta luta constante contra a natureza adversa, apenas a poesia própria da luta pela subsistência e pela manutenção de uma paisagem que existe desde o início do povoamento da ilha e que tem resistido a todo o tipo de intempéries, desde sismos a ciclones.
A maior ameaça era imobiliária, o que levou o governo açoriano a criar a Área de Paisagem Protegida das Vinhas dos Biscoitos (165 hectares), incluindo-a no Parque Natural da Terceira, e a apoiar a recuperação de curraletas abandonadas e infestadas de incenso. Ao mesmo tempo, financiou a construção da Adega Cooperativa dos Biscoitos, que, com o declínio da Casa Agrícola Brum, passou a absorver a quase totalidade da produção de uvas da ilha. Em anos normais, a produção de Verdelho ronda os 10 mil litros, todos destinados ao vinho Magma, um branco fantástico face ao que custa (cerca de 7 euros). A partir de 2011, com a ajuda de Anselmo Mendes e Diogo Lopes, a cooperativa lançou o Muros de Maga, um branco de produção reduzida 2100 garrafas) que elevou os vinhos dos Biscoitos a um outro patamar.
Com as mudanças na secretaria regional de Agricultura, o projecto foi suspenso e o vinho não foi feito em 2013 e 2014. A boa notícia é que a partir desta vindima os enólogos Anselmo Mendes e Diogo Lopes vão voltar a colaborar com a adega cooperativa, nas mesmas condições de anteriormente: apenas lhes pagam as viagens de avião e a estadia. Se tudo correr bem, em 2016 vai voltar a haver Muros de Magma. E, como aconteceu com as duas primeiras colheitas, o vinho vai desaparecer num ápice.
Dois vinhos exemplares
Muros de Magma 2011
Foi o primeiro Muros de Magma, que só voltou a ser feito em 2012. Se alguém ainda conserva alguma garrafa, pode dar-se por feliz, porque poderá beber um branco muito bom e ligado a uma história e um contexto emocionantes. Incorpora os melhores lotes de Verdelho que entraram em 2011 na Adega Cooperativa dos Biscoitos e foi fermentado parcialmente em barricas novas de carvalho francês. Volumoso e sedoso na boca, é muito fresco e possui uma secura e uma salinidade fenomenais. Preço: 20 euros