Fugas - Vinhos

Miguel Manso

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Vinhos para o idílio

Quatro escolhas

João Paulo Martins, crítico de vinhos

“O vinho e a ilha deserta. Já várias vezes pensei nisto e nem sempre pelas melhores razões. É que a tal ilha deserta requer uma arte de desenrascanço, desempenho para o qual não me sinto totalmente habilitado. Se calhar, nem fogo sem fósforos consigo fazer. Ora, numa ilha deserta, a arte da sobrevivência determina a fronteira entre a vida e a morte e, apesar das leituras do Robinson Crusoe, Robinson Suíço, Sexta Feira ou Limbos do Pacífico e muitos episódios do McGyver vistos e devorados, parece-me que não iria fazer grande figura. Para esquecer, iria beber a garrafinha que tinha levado. O quê? Para mim, claro como água, um Madeira Blandy’s Boal 1920, já de si salino e iodado, a condizer com a paisagem. E a permitir, por outro lado, o consumo durante o tempo que seria suposto ficar na ilha. Só regressando para contar é que a tal ilha tem graça. Ida sem retorno, não tou nem aí…”

António Braga, enólogo da Sogrape no Douro

“O paraíso, qual paraíso? Em casa com a família? Numa vinha centenária no Douro? Na sala de provas da Ferreira? Numa ilha do Pacífico? Há tantos paraísos e há tantos vinhos, pergunta difícil! Muito difícil! Nós, enólogos, tentamos fazer vinhos para o paraíso de quem os abre, para que, naquele momento mágico em que se abre uma garrafa, tudo à volta seja um bocadinho mais paradisíaco! Se eu pensar num paraíso mais estival, inclino-me sem dúvida para um branco com acidez nervosa ou um rosé de frescura arrebatadora, sempre vinhos de zonas frias, como a verdejante Alsácia, ou mesmo os nossos irreverentes Vinhos Verdes, como os bons Loureiros da Quinta do Ameal, companheiros inseparáveis das mesas com marisco e amigos. Também há o paraíso do crepitar das lareiras, e aí um tinto do Douro será sempre a minha primeira escolha, o incrível equilíbrio entre a maturação e a acidez! Entre o tanino e a amplitude! E aqui é impossível esquecer os Quinta da Leda. E o que dizer da firmeza rústica, cheia de classe, de um bom Barolo de Giuseppe Rinaldi?” 

Ricardo Diogo, produtor ?de vinhos Madeira (Barbeito)

A ilha do Porto Santo é o único sítio onde perco a noção do tempo. E passear naquela praia, especialmente de manhazinha, inspira-me. Desde sempre foi uma ilha especial para mim. Dou comigo a imaginar beber aquele vinho bem ao fim do dia no bar e esplanada da praia do Hotel do Porto Santo, para mim uma das mais belas esplanadas de praia de Portugal. Muito tranquila, com a vegetação à volta e apenas um pedaço de praia, o amarelo da areia e o azul do mar em fundo. ‘Aquele vinho’ era o Pai Abel Chumbado, um branco da Bairrada, cheia de mineralidade para refrescar as ideias. Naquele lugar, àquela hora, era o vinho perfeito. Se fosse para beber numa montanha, por exemplo, levava um Madeira”. 

Beatriz Machado, directora de vinhos do Hotel Yeatman

“Como fã incondicional dos vinhos portugueses, é-me difícil escolher apenas um. Então contorno o desafio, fecho os olhos e imagino-me em St. Barts, numa ilha com dezenas de praias de areia branca, águas cristalinas e uma paisagem verde e montanhosa pontuada por numerosas lagoas. O que estou a beber?! Um Alvarinho com personalidade, nariz complexo cheio de fruta, sem madeira, com estrutura e acidez e um fim de boca tão longo que dura até dar um mergulho e voltar ao meu livro!”

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