Fugas - Vinhos

  • DR
  • DR
  • DR

Um nome sagrado chamado Vega Sicília

Por Pedro Garcias

O Vega Sicília esteve à prova nas suas diferentes declinações em Lisboa e no Porto. Uma rara oportunidade de conhecer um pouco mais aquele que é considerado o melhor vinho de Espanha e um dos dez melhores do mundo.

O rio que passa aos pés das vinhas do onde sai o lendário Vega Sicília, junto à cidade de Peñafiel, perto de Valladolid, é o mesmo que corre junto aos vinhedos do Barca Velha, mas, tirando o Douro e a fama que ambos têm, pouco mais une os dois vinhos. E tudo por uma questão de cota. Mal entra em Portugal, o Douro deixa a monotonia melancólica da planície castelhana e mergulha num precipício, seguindo o caminho entrincheirado entre grandes paredes de granito até voltar a ganhar alguma largueza já às portas do país do vinho do Porto. 

Este desnível dita, sobretudo, o destino de uma casta: a Tinta Roriz, que em Espanha leva o nome de Tempranillo, também chamado de Tinta de Toro (em Toro), Tinta del Pais e Tinto Fino (em Ribera del Duero). No Douro é uma variedade ainda importante nos vinhos do Porto mas cada vez mais residual nos vinhos DOC; em Ribera del Duero e em Toro é a alma dos seus vinhos.

Os enólogos portugueses queixam-se da sua secura tânica, da heterogeneidade dos seus bagos na altura da maturação e da baixa acidez; os espanhóis do Douro fazem com ela vinhos opulentos, complexos, sedosos e duradouros. Mas afinal o que é que o Tempranillo tem que a Roriz não tem? Altitude, acima de tudo. O Vega Sicília nasce a 800 metros de altitude e o Tempranillo precisa de frescura para amadurecer bem. O Barca Velha nasce a cerca de 200 metros, embora leve também uvas de zonas mais altas. Mas, ao contrário do Tempranillo, a Touriga Franca, um dos pilares do Barca Velha e de todos os grandes vinhos do Douro, dá-se melhor em cotas baixas (até aos 300 metros). 

Como se vê, num lado e no outro, são as castas que determinam os vinhos. Mas, no caso do Vega Sicília, nem sempre foi assim. Nos seus primórdios começou por ser um vinho de inspiração francesa. Em 1864, quando Don Eloy Lecanda y Chaves fundou as Bodegas Vega Sicília, numa veiga (Vega) que havia sido habitada por monges sicilianos (da Sicília), trouxe de Bordéus (de uma cota também de 200 metros) 18 mil videiras de Cabernet Sauvignon, Merlot e Malbec. 

O vinho foi ganhando adeptos, resistiu à filoxera e, a partir de 1915, começou a construir a sua aura mítica, graças a Domingo Garramiola, que, ao serviço do então arrendatário dos vinhedos, Cosme Palácio, decidiu criar as marcas Vega Sicília e Valbuena e engarrafar os primeiros vinhos. Nas décadas seguintes, com os sucessivos prémios conquistados, o Vega Sicília foi cimentando o título de melhor vinho espanhol. E foi já com esse estatuto que, em 1982, a empresa seria adquirida pela família Alvarez, o actual proprietário. Mas muita água já tinha corrido no Douro desde o início desta história, ao ponto de a casta Tinto Fino ter entretanto assumido a hegemonia no lote do vinho. 

De forma natural, o Vega Sicília foi-se aproximando mais do lugar e da tradição espanhola sem beliscar o seu prestígio nacional e internacional. Nem mesmo a enorme reestruturação das vinhas levada a cabo pela família Alvarez afectou a notoriedade do vinho. O mito de que só é possível fazer grandes vinhos com uvas de vinhas muito velhas é desmentido por cada Vega Sicília que chega ao mercado. A idade média dos 250 hectares da companhia não chega aos 40 anos. São vinhas ainda relativamente novas, mas não tão novas como a adega actual, uma das mais modernas do mundo. 

Hoje, o nome Vega Sicília significa muito mais do que um vinho. Como muitas outras marcas globais, tornou-se num objecto de luxo e de desejo. É por isso que uma prova dos seus vinhos é sempre um acontecimento. 

Recentemente, o seu distribuidor em Portugal, a empresa Garcias Gourmet, organizou duas provas, uma em Lisboa, na garrafeira Empor-Spirits & Wine, e outra no Porto, na Garrafeira Tio Pepe, ambas conduzidas por Yolanda de la Fuente, directora de exportação das Bodegas Vega Sicília. A experiência alargou-se a outros grandes vinhos da companhia, como o Pintia (Toro), o Allion (Ribera del Duero) e o Macan (Rioja), mas o ponto alto chegou com a abertura dos Vega Sicília Valbuena 5º Ano 2009 e 2010 e Vega Sicília Único 2004 e 2007. 

Na hierarquia dos Vega Sicília há três vinhos: o Reserva Especial (Um vinho não datado feito a partir da junção de três colheitas de Único), o Único e o Valbuena 5º Ano. Todos eles passam vários anos em diferentes tipos de barrica — e é sobretudo isso que os distingue dos demais. 

O Valbuena 5º Ano, como o próprio nome indica, passa cinco anos em tonéis de grande volume, barricas mais pequenas e garrafa antes de sair para o mercado. Lote de Tempranillo (entre 90 a 95%) e Merlot (e também Malbec em certos anos), é feito com uvas das vinhas mais novas, e isso nota-se na sua estrutura mais delgada, em comparação com o Único. É um vinho de aroma expressivo, focado na fruta vermelha e nas notas de fornecidas pela barrica (baunilha, café, moka). Possui grande volume e amplitude de boca, onde mostra uma belíssima frescura balsâmica, bem notória, por exemplo, no Valbuena 2010, já considerado o melhor Valbuena de sempre. 

Nos Vega Sicílio Único o melhor poderá ainda estar para sair — 2008, por exemplo, foi uma colheita extraordinária em Ribera del Duero. Mas, dos dois vinhos que estiveram em prova, o que mais impressionou foi o 2007 (95% de Tempranillo e 5% de Merlot).

--%>