Fugas - Vinhos

Benoit Tessier/Reuters

Litígios, nomes e fronteiras

Por Rui Falcão

A velha Europa assenta a sua organização, produção e lógica vinhateira na defesa de nomes, na defesa de regiões, na sustentação do conceito de denominação de origem, nomes protegidos que definem e defendem o estilo muito particular de cada região.

O tempo foi o grande aliado para a criação desta forma muito particular de entender o mundo. Ao longo de muitos séculos pautados por milhares de ensaios de tentativa e erro, os produtores e legisladores foram-se apercebendo de algumas analogias territoriais, de semelhanças e identidade comuns que criavam um estilo próprio dentro de um espaço físico.

Foi assim que foram surgindo as denominações europeias, movimento do qual Portugal foi pioneiro com a criação da região do Douro, a denominação de origem delimitada e regulamentada mais antiga do mundo. Num ápice foram sendo criadas denominações de enorme prestígio internacional como o Douro, Madeira, Bordéus, Borgonha, Champagne, Alsácia, Tokay, Chianti, Barolo, Mosel, Rheingau, Rioja, Jerez ou tantas outras denominações igualmente excepcionais.

Os países do novo mundo, todos os que quedam fora do continente europeu e que entretanto se transformaram em pilares do vinho, não beneficiaram do conforto do tempo, obrigados que foram a desenvolver a sua indústria vínica num espaço de tempo substancialmente mais curto. Por isso foi tão difícil resistir à tentação de copiar e utilizar os nomes popularizados pela Europa desenvolvendo vinhos do Porto, Bordéus, Borgonha e demais identidades europeias.

Só isso explica que continue a ser indispensável manter uma litigância intensa contra países ou regiões que insistem em fazer vinhos do Porto, Madeira, Champagne e outros que tais abusando descaradamente de nomes e palavras a que não têm direito. Se alguns países ou regiões são mais condescendentes na fiscalização ou na ferocidade perante o abuso, outros não se escusam perante nenhuma possível ofensa ao nome, mesmo que a justificação seja menor.

Entre os mais litigantes ou mais zelosos na defesa do seu bom nome está a região de Champagne, conhecida por não recuar perante nenhuma possível utilização do nome, mesmo que em aspectos aparentemente banais e não relacionados com o vinho. Um dos exemplos mais recentes, datado de há menos de um ano, resultou do anúncio que a Apple iria utilizar uma nova tonalidade champanhe no lançamento de uma nova versão do célebre iPhone. No dia seguinte, a comissão de defesa da região de vinhos de Champagne indicou que caso isso acontecesse a milionária marca seria processada por uso abusivo do nome, ameaça que foi levada suficientemente a sério para que a Apple, uma empresa milionária, desistisse da estratégia.

Por vezes os desígnios são quase incompreensíveis ou eventualmente demasiado zelosos, como por exemplo quando a mesma comissão decidiu forçar a comuna suíça de Champagne, situada do cantão de língua francesa Vaud, a prescindir da utilização do nome Champagne na produção muito limitada e de venda apenas regional dos vinhos brancos, rosados e tintos produzidos na pequena aldeia de 650 habitantes. Apesar de os vinhos não serem espumantes, de a produção ser muito antiga, remetendo-se ao período da colonização romana e de o nome transcorrer da designação da comuna, o governo suíço não conseguiu ganhar a causa nos tribunais internacionais.

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